São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Passam de 200 os desaparecidos no Brasil após fim do regime militar

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Dez anos depois do fim do regime militar (1964-1985), as prisões ilegais e os desaparecimentos de cidadãos continuam ocorrendo no Brasil. As vítimas de hoje são na maioria simples, pobres, negros e favelados.
Os desaparecimentos ocorridos no regime democrático já superam os 200 casos, segundo estimativa do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), órgão do Ministério da Justiça.
Detidos por policiais fardados ou à paisana, somem sem deixar vestígios. Restam aos familiares o drama e a esperança de encontrar os corpos e punir os assassinos.
Clarice Francisca Marques, 54, de Belford Roxo, subúrbio carioca, perambula há cinco meses à procura de seu filho, Marcelo, de 16 anos, desaparecido em junho.
"Eu sou uma mãe desesperada. Fiquei arrasada quando eles tiraram meu filho de mim ", diz Clarice, chorando muito. Marcelo foi levado por uma Brasília azul, da polícia, quando estava em um ponto de ônibus, perto de sua casa.
Clarice repete a rota de outras mães que perderam seus filhos. Percorre diariamente delegacias e Juizados de Menores. "Não tenho mais onde procurar. Estou sozinha e doente. Perdi 16 quilos."
O Rio de Janeiro é o Estado em que há o maior número dessas ocorrências. Segundo levantamento recente feito pelo jornal "O Dia" nos arquivos da polícia, existem 162 desaparecidos.
Em São Paulo, há dois casos recentes de desaparecimentos e suspeita de que pelo menos 30 corpos foram parar num lixão de Mauá, na região do ABC. Em Alagoas, cinco acusados de assaltos a banco desapareceram quando estavam em poder da polícia, em julho passado. Há casos semelhantes no Pará e Rio Grande do Norte.
Por envolver na maioria das vezes pessoas com passagem pela polícia, há dificuldades de registros desses casos. Contribuem para isso pressões da polícia para que não se leve a denúncia adiante e o desinteresse das próprias famílias.
Mas é seguro dizer que em dez anos de regime democrático desapareceu mais gente do que nos 21 anos do regime militar. De 1964 a 1985, foram mortos 369 opositores do governo -152 deles são considerados desaparecidos.
No caso dos desaparecidos políticos, acaba de ser aprovada lei para indenizar seus familiares com valores que vão de R$ 100 mil a R$ 150 mil. No caso dos desaparecidos comuns, há apenas descaso.
Segundo a advogada Cristina Leonardo, do Centro Brasileiro de Defesa de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente, não há um único caso em que se tenha chegado a uma apuração satisfatória entre os 162 desaparecidos do Rio.
A maioria dos desaparecimentos ocorreu durante o governo de Leonel Brizola (PDT). Na ausência da polícia, as investigações correm por conta de familiares dispostos a enfrentar os riscos.
Muitas vezes esse tipo de investigação resulta em ameaças e mortes. A advogada Cristina Leonardo e o sociólogo Caio Ferraz, da Casa da Paz de Vigário Geral, do Rio, estão ameaçados de morte.
Há desfechos trágicos. Ao investigar o desaparecimento de seu filho e de outros dez jovens, em julho de 1990, em Magé, Baixada Fluminense, Edméia da Silva Euzébio foi assassinada na porta de um presídio, três anos depois.
Edméia fazia parte do grupo "Mães de Acari", que tenta descobrir os assassinos dos 11 jovens, 8 homens e 3 mulheres, todos favelados, supostamente sequestrados e assassinados por policiais.
Há um mês, a história de Edméia se repetiu. Ao investigar o desaparecimento de um amigo, Adilson Cobra Secco, na favela Parada de Lucas, no Rio, Regina Célia Vieira também desapareceu.
A Polícia Civil do Rio limita-se a admitir que o número de desaparecidos pode ser superior aos 162 casos já levantados.
Em Brasília, Humberto Spinola, coordenador do CDDPH, diz haver "determinação do governo de pôr fim a esta situação". Mas não dispõe de propostas concretas para acabar com esse tipo de crime.

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