São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Pais esperam rever os filhos ou, ao menos, achar os ossos

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

O drama de pais e mães que tiveram seus filhos desaparecidos é quase sempre o mesmo. Sabem que eles estão mortos, mas ainda alimentam o sonho de que um dia vão aparecer.
Para os familiares, a busca não é em vão. Além do desejo de justiça, querem encontrar os ossos dos filhos para fazer um enterro digno.
A seguir, alguns depoimentos desses familiares:

"Era meu único filho. Eu sempre sonho com a volta dele. Vejo ele entrando em casa e indo para seu quarto. Chamo minha mulher para ver, mas aí acordo e vejo que não é verdade."
"Quando uma pessoa morre, a gente sofre, mas sabe onde está sepultada. É duro, mas a gente se acostuma. Com o desaparecido é diferente. Sempre fica a esperança de que ele está vivo e vai voltar."
"O governo tem de ser responsabilizado. A polícia não pode fazer isso com uma pessoa. Meu moleque não andava nem com canivete."
Claudionor Francisco Ribeiro, 65, pai de Ricardo Ribeiro, 21. Ricardo desapareceu após ser preso por policiais em fevereiro deste ano, em Santo André (SP).

"Vivo um grande drama. Quando uma pessoa nossa está morta e sepultada, nós sabemos pelo menos onde rezar. Se está desaparecido, como meu marido, nem rezar nós podemos."
"Minha vida virou de cabeça para baixo. O lado emocional é muito forte. E a questão legal também pesa muito. Como oficialmente ele não está morto, eu não tenho direito a nada. Tive que trabalhar. Minha filha adoeceu. Meu objetivo é que, pelo menos, haja justiça."
Vera Lúcia de Jesus Pereira, 39, mulher de João Gomes Pereira, 42, desaparecido após ser espancado em um hospital público de Mauá (SP).

"Ele era o caçula de meus oito filhos. Era uma criança. Eles não tinham o direito de desaparecer com ele. Estou muito doente. Já andei em quase todas as delegacias e não consigo informação."
"Os meus outros filhos estão casados, têm suas famílias. Ele era o único que morava comigo. Estou sozinha. Não aguento mais essa dor. Cadê meu filho? Desculpe por estar chorando, mas isso dói muito. Não consigo me controlar."
Clarice Francisca Marques, 54, mãe de Marcelo Marques Barreto, desaparecido em junho passado após ser preso por policiais, em um ponto de ônibus de Belford Roxo, subúrbio do Rio.

"Nós não vamos parar de procurar nossos filhos. Sabemos que eles estão mortos. Mas isso é amor de mãe mesmo. Todas as mães amam igual. Junto também tem o amor à pátria. Nós não queremos viver num país em que impere a impunidade."
"É nosso direito como mães continuar procurando nossos filhos. Eles foram criados com dignidade, apesar de muito pobres. Por que um desaparecimento tão indigno? Por que não podemos enterrá-los com o respeito e dignidade que todo ser humano merece?"
Marilena Lima de Souza, 44, mãe de Rosana de Souza Santos, 18 anos, que desapareceu em julho de 1990, com outros dez jovens, ao passar um fim-de-semana em um sítio em Magé (Rio). Marilena é uma das "Mães de Acari".

"Nossa busca é incessante. Esperamos chegar a algum lugar. Tenho mais quatro filhos. Espero um mundo melhor e mais justo para eles. É por isso que estamos nessa luta."
"O descaso das autoridades nesse caso é uma violência incrível. Nós fomos muito pouco ouvidas pelas autoridades. Fomos a locais em que nem sequer nos atenderam. Mas ainda temos esperança de que um dia a verdade apareça."
"Em cinco anos, esse caso não foi descoberto porque nós somos pobres. Não há interesse da sociedade também porque há policiais envolvidos. O que aconteceu com nosso filhos foi um crime quase perfeito. Mas nós acreditamos que um dia tudo será esclarecido."
"O que queremos das autoridades é muito simples. Queremos apenas ter a possibilidade de dar um enterro digno aos nossos filhos."
Vera Lúcia Flores Leite, 46, mãe de Cristiane Leite de Souza, 16, desaparecida com outros dez jovens em julho de 1990 em Magé (Rio). Vera é uma das "Mães de Acari".

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