Folha de S.Paulo - 055 notas sobre a cultura

São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995

055 notas sobre a cultura

DOUGLAS COUPLAND
ESPECIAL PARA "THE NEW REPUBLIC"

001. A abundância personaliza e despolitiza todos os problemas.
002. Todas as variedades de individualismo já se tornaram convencionais.
003. A arte sobre a arte acabou.
004. A arte pela arte continua válida.
005. Conforme se degeneram em grupelhos sem sentido, as elites deixam de constituir um público de butique.
006. As fronteiras são interessantes por gerarem diferenças e, portanto, novidade.
007. O torpor burguês é infinitamente superior à vida num formigueiro.
008. O fetichismo da mercadoria é claramente um impulso biológico. 009. Hierarquia consensual não é necessariamente uma contradição em termos.
010. A convivência forçada de culturas consumistas e culturas não-consumistas não será um processo pacífico.
011. O desejo degradou-se em compulsão a consumir.
012. Execre os analistas simbólicos.
013. A distância crítica tornou-se um ponto de vista sentimental.
014. As elites estão preocupadas demais com encher os bolsos para perder tempo mimando as vanguardas.
015. Mesmo as afirmações mais individuais, se repetidas frequentemente, tornam-se estandardizadas.
016. Ideologias são poses adotadas por pessoas que não querem se envolver em discussões que lhes parecem tediosas.
017. Se algo parece exclusivista, então seu destino já está traçado.
018. Se dá para notar que algo é seu, então logo o roubaremos.
019. Se você tem um estilo visivelmente pessoal -bem, melhor para você.
020. Se você sente um impulso a simultaneamente roubar e vandalizar um objeto, então provavelmente trata-se de arte.
021. Se sua autoria é perceptível, você deve ocultar o risinho de satisfação ao ser reconhecido.
022. Se a sua criação é claramente sua, você deve ser punido.
023. No futuro todas as pessoas serão iguais.
024. O individualismo é cansativo para a maioria das pessoas.
025. Os indivíduos não se imporão responsabilidades sociais na ausência de coesão social perceptível.
026. "Tempo de lazer" é uma piada de mau gosto.
027. O tempo linear é simultaneamente risível e aterrorizante.
028. Produzir arte com um público dentro da cabeça é algo de corrompido.
029. Falar exclusivamente sobre a sociedade indica falta de personalidade definida.
030. Manipulação da mídia é coisa datada.
031. O dinheiro ainda determina a taxonomia da novidade.
032. Nova York está muito preocupada com outras questões para gerar novas vanguardas.
033. Há que se apiedar de culturas incapazes de sustentar idéias difíceis.
034. Sentimentalizamos o liberalismo ao mesmo tempo em que reconhecemos suas dimensões obsoletas.
035. Só interessa a arte que fala para todos. 036.
As outras pessoas são irrelevantes.
037. As outras pessoas são o único futuro possível.
038. "Pintura" é uma piada de mau gosto.
039. A memória pessoal e a memória coletiva confundiram-se a tal ponto que o individualismo tornou-se um conceito periclitante.
040. "Lugar" é uma piada de mau gosto.
041. É tedioso antecipar a crítica por um uso astuto da estratégia.
042. É mau negócio trocar a imunidade à angústia por uma identidade pessoal.
043. Guardas de segurança são o único elemento moderno nos museus de arte moderna.
044. Nutrir anseios secretos por um novo movimento de massas é algo de risivelmente ingênuo.
045. A inovação serial por obra de um indivíduo é a única dimensão respeitável da criação. 046. Arte sexual é apenas uma forma de terapia.
047. Habilidade manual é puro sentimentalismo.
048. A tecnologia nos meteu nesta enrascada; será ela a nos livrar desta.
049. A classe média é uma tribo historicamente transitória, necessária tão-somente para a criação de novas tecnologias e dentro em breve obsoleta.
050. A vitimologia mostrou-se incapaz de criar objetos mercatilizáveis.
051. É fácil tomar a apatia social por abundância minguante.
052. É fácil tomar a abundância minguante por apatia social.
053. Já não se ouve a palavra "ego".
054. Seu anseio pelo fim da história revela sua irritação em ter que ser um indivíduo.
055. Sua consciência clara sobre sua própria cumplicidade no processo de mercantilização já não faz a menor diferença.

Tradução de SAMUEL TITAN JR.

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