São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Variante do vírus HIV pode dar origem a vacinas contra a Aids

Quem se atreveria a usar a vacina com HIV-2 contra a Aids?

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pesquisa feita em Dacar, Senegal, deu resultados tão animadores, que alguns observadores mais otimistas chegaram a sugerir a possibilidade de usar o vírus HIV-2, depois de atenuado, como vacina contra a Aids. Mas essas esperanças são contraditadas por vários argumentos.
A investigação foi realizada por equipe de 14 especialistas da Escola de Saúde Pública de Harvard, em Boston, e da Universidade Cheikh Anta, em Dacar. O grupo foi chefiado por Phyllis Kanki, de Harvard, e os resultados publicados em "Science" (268, 1612).
O HIV-1 e o HIV-2 possuem fortes semelhanças e diferenças. Apreciável relação genética, acentuada reatividade antigênica cruzada e um receptor comum são algumas das semelhanças.
Uma das diferenças reside na agressividade e na capacidade de disseminação do HIV-1, o protótipo dos vírus que causam a síndrome da deficiência imunológica adquirida humana (Aids), que rapidamente se espalhou por todo o mundo, enquanto o HIV-2 permaneceu confinado a algumas áreas, entre as quais a África Ocidental.
Embora ambos os vírus sejam transmitidos por vias semelhantes, o índice de transmissão do vírus 2 é muito menor que o do 1, parecendo que a associação do 2 com a Aids é mais fraca. Significativamente menor é o tempo de sobrevivência sem sinais da doença, que pode atingir 25 anos no 2, mais do dobro do prazo do vírus 1 para deflagrar os sintomas.
Uma análise de avaliação de risco empreendida por Kanki e colaboradores mostra que, na população estudada, a infecção pelo vírus 2 baixa de 70 por cento o risco de infecção pelo vírus 1. Kanki vê nesse fato um indício de proteção do vírus mais fraco contra seu parente mais forte, base aliás das chamadas vacinas heterólogas, como a da vacina contra a varíola.
O grande trabalho da equipe de Kanki consistiu em acompanhar por 9 anos o estado físico e sanitário de 756 prostitutas, visando a rastrear os 2 vírus.
Alguns vêem nesse fato a conveniência de atenuar o vírus 2 e testá-lo como vacina contra o 1, ou melhor, contra a Aids. Ronald Desrosiers há muito reclama a experimentação desse tipo de vacina contra o HIV, pois obteve bons resultados com o vírus simiano (SIV) em macacos.
Mas o uso de vacinas heterólogas na Aids encontra forte oposição. Assim, o HIV é um retrovírus, categoria muito sujeita a mutações, e nunca se poderia eliminar a hipótese de o vírus, mesmo atenuado pela deleção (supressão) de alguns genes, sofrer mutação reversa e transformar o instrumento protetor em agente de infecção.
É verdade que certas vacinas heterólogas têm sido usadas com êxito, a começar pela antivariólica, e mais recentemente as vacinas contra os vírus que causam a paralisia de Marek nas galinhas e a cinomose nos cães.
Mas quem se atreveria a empregar a vacina feita com HIV-2, mesmo atenuado, contra a própria Aids? Aos riscos mencionados teremos de acrescentar a possibilidade de inserir, com o gene do vírus, o do câncer. Certos retrovírus são sabidamente cancerígenos.

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