São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Deus é o mesmo; só muda de nome'

ISABELLE SOMMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Muitos conceitos proferidos pelas principais religiões são muito parecidos. O problema é que quase ninguém se lembra disso.
Essa foi a conclusão obtida pelos sete teens que participaram do debate sobre o assunto, cada um representando uma religião.
O vestibulando João Luís Valle, 18, se converteu ao Budismo depois de um retiro espiritual.
A muçulmana Mona Houssaimi, 21, é estudante de letras e, assim como Alan Skarbnik, 16, judeu, aluno do 2º colegial, professa a religião de seus pais.
O estudante de jornalismo Aldo Quiroga, 21, foi batizado, mas só se aproximou do catolicismo depois que entrou para o Movimento de Renovação Carismática.
Mariana Cortês, 17, é evangélica batista e conhece tão bem a Bíblia como o espírita Danilo Nonato, 19, conhece o Livro dos Espíritos. Emanuela da Silva, 15, é filha de pai-de-santo e mãe-de-santo.
A Igreja Universal do Reino de Deus não respondeu ao convite.
(IS)
SEXO
Aldo, Mariana e Mona têm a mesma opinião sobre o assunto: sexo, só depois do casamento.
"É uma solução para evitar mulheres solteiras grávidas", diz a muçulmana Mona.
Alan, João, Danilo e Emanuela discordam. Para eles, a virgindade depende da opinião de cada um.
"Não tem essa de pode ou não pode antes ou depois do casamento", afirma Danilo. Ele acrescenta que, no espiritismo, não há cerimônia de casamento.
"No budismo, o sexo é livre", acrescenta João, empolgado divulgador do "sexo tântrico", uma forma de relacionamento ou transa espiritual.
Segundo Aldo, o catolicismo proíbe o uso de anticoncepcionais antinaturais, como camisinha e pílula. Para ele, a melhor forma de evitar a Aids é transar com um único parceiro.
"A Igreja Católica está sendo muito atacada nessa questão. Se você vir a religião como um todo, a camisinha será um detalhe."
ABORTO
A condenação ao aborto é uma unanimidade. "No budismo, se você fizer um aborto, estará matando uma criança, por causa da reencarnação", diz João Luís.
Danilo acredita que "uma vida é concebida a partir do momento em que o óvulo é fecundado".
Essa é a mesma opinião dos cristãos Aldo e Mariana.
Mona diz que, segundo o Alcorão, "depois de 120 dias da fecundação, o feto recebe a alma".
Alan conta que, no judaísmo, a vida no útero começa com três meses de gravidez.
"O candomblé, por ser uma religião muito antiga, não evoluiu em temas como o aborto", diz Emanuela.
VIOLÊNCIA
Quando o assunto é violência entre adolescentes, as opiniões se dividem quanto à sua origem.
Assim como Danilo, Aldo acredita que uma família desestruturada leva os adolescentes à marginalidade.
Mariana concorda e aponta outras razões: "A violência hoje é resultado do caos econômico".
Emanuela também acha que o crescimento da violência pode estar no aumento de famílias com problemas.
Mas a insatisfação pessoal dos teens, segundo ela, é um dos principais motivos. "É uma forma de chamar a atenção", diz.
Mona acha que as pessoas se preocupam com a parte econômica e se esquecem do lado espiritual. "Praticando a religião, cortam-se os problemas pela raiz."
João acredita que as drogas atraem os jovens para a violência. "Nas drogas e nas gangues, o jovem supre a carência de bens materiais e do afeto dos pais", diz.
Para Alan, a culpa é da sociedade. "A Educação resolve parte do problema da violência."
"Grande parte da juventude está alienada. Se não fizermos nada (contra a violência), estaremos contribuindo para piorar a situação", finaliza Danilo.
RELIGIÃO NA ESCOLA
Alan acha que as aulas não devem ser obrigatórias. "Se eu quiser ter uma formação religiosa, posso tê-la em casa."
Alan e Emanuela estudam em colégios católicos, apesar de terem outra religião. "Eu assisto, acho legal, mas não deve ser obrigatório", diz ela.
Os outros também são contra a obrigatoriedade. "Em vez de pensar em religião, vamos primeiro pensar em dar aula de português e matemática direito", diz Mariana.
DEUS
Dependendo da religião, o nome é diferente. Para os muçulmanos, Ele tem 99 denominações.
A mais conhecida delas é Alá.
Mona diz que ele "é onisciente, onipotente, onipresente".
"É bem parecido com a minha religião", diz o judeu Alan.
O candomblé também tem outro nome: Oxumaré. Emanuela acredita que Ele é o criador de tudo.
O espírita Danilo concorda. "A gente chama Deus de governador da Terra. Ele coordena tudo que acontece aqui."
João diz que, dependendo da corrente budista, Deus está dentro ou fora das pessoas. "Eu acho que Deus está dentro e fora de mim."
Segundo Aldo, Deus é uma trindade: "É uma energia dividida em deus-pai, deus-filho e deus-espírito-santo". Mariana também tem a mesma explicação.
Nem todos acreditam que o Deus no qual crêem seja o mesmo dos outros.
Mariana considera o Deus católico e o protestante o mesmo. "Mas não é igual ao Deus dos outros."
Aldo e Mona acham que o Deus do cristianismo, o do judaísmo e o do islamismo são idênticos.
Para Danilo, Emanuela, Alan e João, Deus é o mesmo para todas as religiões. "Só muda o nome", afirma Emanuela.
INTOLERÂNCIA
O assassinato do primeiro-ministro israelense e as ofensas do pastor da Igreja Universal do Reino de Deus a uma imagem de Nossa Senhora Aparecida são, segundo eles, atitudes contrárias ao que todas as religiões pregam.
"O pastor agrediu os católicos e a crença deles. Tentou ser didático, mas eu não o defendo", diz a evangélica Mariana.
Aldo, católico, afirma que a briga ocorreu entre emissoras de televisão. "A propaganda dada ao fato foi coisa maquinada."
Sobre o assassinato do primeiro-ministro de Israel, Alan afirma que o ato é "condenável". "Eu acho que, agora, eles (árabes e judeus) vão se conscientizar de que é preciso a paz."
Mona acredita que o crime aconteceu por causa da insatisfação de alguns setores da sociedade israelense. "Todos esperavam que fosse um árabe."
A filha de pais-de-santo Emanuela acha que o preconceito religioso leva as pessoas à intolerância. "Nós temos de respeitar as outras religiões, sem agressões, para viver em harmonia", diz Mona, libanesa que saiu de seu país por causa de uma guerra civil, de fundo religioso.

Texto Anterior: Pêlos são herança genética
Próximo Texto: Movimentos formam cidadãos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.