São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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Escritora encara a solidão em novos contos

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Livro: "A Noite Escura e Mais Eu"
Autora: Lygia Fagundes Telles
Preço R$ 18,00 (205 págs.)
Lançamento: dia 22 de novembro, a partir das 18h30, na livraria Cultura (av. Paulista, 2.073)

Sem publicar desde 1991, a escritora Lygia Fagundes Telles lança na próxima quarta-feira, em São Paulo, "A Noite Escura e Mais Eu", uma reunião de nove contos escritos e reescritos ao longo dos últimos quatro anos.
O título do livro saiu de um poema de Cecília Meireles: "Ninguém abra a sua porta/pra ver o que aconteceu:/saímos de braço dado/a noite escura e mais eu."
A solidão, conta Lygia, é o pano de fundo de vários do contos. Em "Anão de Jardim", entregue ao editor quando o livro já estava quase pronto, o narrador é um ser de pedra "bastante resistente" que lamenta a sua imobilidade.
Em "Uma Branca Sombra Pálida", o conto mais ousado, a narradora é uma mãe à beira do túmulo da filha, tentando compreender como ela foi capaz de ter como amante uma outra mulher.
Nesta entrevista, concedida na última sexta-feira, a acadêmica Lygia Fagundes Telles falou sobre o novo livro, solidão, a sua idade e memória. Veja trechos abaixo:

Folha - Como a sra. se sente ao lançar um livro depois de quatro anos sem publicar?
Lygia Fagundes Telles - Como uma adolescente que estivesse começando. Cada vez que termino um livro fico assim. Isso ocorre porque sou uma escritora inconformada, insatisfeita, muito severa comigo mesma. Eu acho que sou minha inimiga (risos).
Folha - Por quê?
Lygia - Sou muito exigente comigo. Acho muito bom a alegria, a esperança, o fervor. Mas, em geral, há uma satisfação muito plena das pessoas consigo mesmas. Estamos num país pouco exigente. Se você tem uma confiança excessiva em você próprio, você não pode ir adiante, não pode progredir.
Folha - A sra. já disse que o escritor sério não pode ter pressa. Isso explica os quatro anos que ficou sem publicar?
Lygia - Gosto muito de uma frase de Guimarães Rosa: "Devagar já é pressa." Mostra a necessidade que o ser tem de meditar um pouco antes de sair desbragadamente fazendo as coisas e se achando maravilhoso.
Folha - Desde o verso de Cecília Meireles escolhido para o título do livro, até o tema de vários contos, a solidão parece ser o pano de fundo de "A Noite Escura e Mais Eu".
Lygia - Citando a Bíblia, eu acredito muito no outro como ajudador, aquele que está ao lado. Acho solidão terrível. Tenho muitos amigos que amo muito, meu filho que amo muito, mas eu vivo na solidão, no sentido em que moro só, minhas viagens são solitárias, meu cotidiano é solitário.
Acho horrível isso. O ser tem que ter interlocutor. O outro é uma espécie de avaliação. O ser que fica sem o outro do lado é um ser que não é avaliado.
Um desses amigos meus da época da faculdade, ele já morreu, era um irmão queridíssimo. Há três ou quatro anos, telefonei para ele e disse: "Olha, você se lembra quem é que eu estava amando em 1944?" Quer dizer, eu fui procurar num amigo a minha memória. Na época, ele acertou direitinho. A busca do outro é um elemento de extrema importância no meu texto.
Folha - A sra. não gosta de dizer a sua idade. A personagem do conto "Boa Noite, Maria" reclama dos artifícios que as mulheres usam para disfarçar a idade e diz: "Quero apenas assumir a minha idade, posso?"
Lygia - No Brasil, parece que nos esfregam a idade na cara. Tá certo, não vou pular corda. Me visto e me comporto como uma pessoa da minha idade, 70. Mas é como se falassem: "Olha, você não tem mais muito tempo."
Folha - Não é assim.
Lygia - Não tenho muito tempo mais. Se puder esquecer um pouco, ou não me lembrar o tempo todo, que estou na reta final, ficaria contente. Não é uma questão feminina. É um ser diante do tempo. Talvez seja uma imaturidade minha. Mas prefiro não lembrar.
Folha - Num debate, em 94, a sra. disse: "Não quero ser compreendida. Quero ser amada".
Lygia - As pessoas lêem alguma coisa e me dizem: "Lygia, não entendi o que você quis dizer com aquilo." Eu respondo: "É difícil mesmo compreender esse conto. Mas você gostou?" "Ah, gostei muito", a pessoa diz. "Então, fique com isso. Não queira me compreender". Eu não me compreendo direito até hoje... Por mais que me desembrulhe e por mais que desembrulhe as minhas personagens, tentando me desembrulhar, há muitas coisas que me escapam.
Folha - Há algo de memorialístico nos contos em que as personagens são crianças?
Lygia - Tem e não tem. A criança que nós fomos está dentro de nós de uma maneira muito viva. E ai de nós se nós perdermos essa criança. Minha infância foi muito bonita. Eu andava muito no mato, tinha muito bicho, muito cachorro. Morei em algumas cidades do interior de São Paulo: Sertãozinho, Apiaí, Descalvado... Carlos Drummond de Andrade não acreditou quando eu disse que morei em Descalvado. "Esse nome é lindo, mas essa cidade não existe", ele me disse. "Existe sim, Carlos."
Folha - As suas histórias se passam nas cidades; as suas personagens, são intimistas. Nada é exótico ou regional. Como a sra. é "vendida" no exterior?
Lygia - Os franceses estranharam um pouco a minha temática: a solidão, a morte, a loucura, o amor, a condição humana. Agora, esses contos não poderiam ser escritos por uma portuguesa, muito menos por uma canadense ou uma sueca. Na minha natureza mais profunda, a minha condição de brasileira transparece no texto.
Folha - "As Meninas" acaba de virar filme. "Ciranda de Pedra" foi uma novela. A sra. exige fidelidade dos adaptadores?
Lygia - Estou muito ansiosa para ver o que Emiliano Ribeiro (diretor de "As Meninas") fez com essas meninas. É muito interessante ver o verbo virar imagem.
Na novela, embora houvesse muita infidelidade em relação ao texto, descobri que essa não é uma questão importante. O que importa é o outro tomar a matéria e transformá-la numa imagem positiva, que acrescente algo.
Isso também é bom no sentido prático: ajuda a vender livros. Quando a novela foi ao ar, o pessoal comprava o livro para saber o que ia acontecer. Uma leitora me cobrou: "Dona Lygia, não é assim que está na novela!" Quer dizer, ficou brava comigo, como se eu tivesse traído a novela.
Folha - No conto "Uma Branca Sombra Pálida", a mãe diz: "Mais prejudicial do que o cigarro é a memória." A sra. concorda com isso?
Lygia - A memória é incontrolável. Às vezes, minha memória é cálida, me remete a cenas de uma doçura sem par. Às vezes, me remete para coisas que eu gostaria de ter esquecido e não esqueço. Você pode ser livre em tudo, menos em relação à sua memória.
Folha - A sra. apoiou vivamente a candidatura FHC. Passados quase onze meses de governo, qual é a sua avaliação?
Lygia - As expectativas são sempre enormes. Quando você se casa, espera que a sua mulher limpe o teto, tenha um filho lindo e faça um feijão deslumbrante.
O Brasil é muito grande. Isso aqui merecia uns três ou quatro presidentes ao mesmo tempo. Sinto que o Fernando Henrique está resfolegante. É muito trabalho, é coisa demais. Nós temos que ter paciência. Não exijam dele essa pressa que nem nas nossas próprias vidas nós podemos ter.
Outra frase de Guimarães Rosa que gosto muito: "O mundo não é maravilhoso, mas é feito de pequenas maravilhas." Nós precisamos pensar nas pequenas maravilhas como uma compensação das dificuldades que nos cercam.
Folha - De que pequenas maravilhas a sra. não esquece?
Lygia - Sou péssima em geografia. E, na minha ignorância, não sabia que existia um lugar chamado Pasárgada. Pensava que Manuel Bandeira tinha inventado o nome. Estive com Paulo Emílio (Salles Gomes, seu segundo marido) num festival de cinema em Teerã, nos anos 70. Éramos os próprios amigos do rei. Um dia, conhecemos uma cidade chamada Pasárgada. Fiquei comovida...

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