São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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Ciência e Aids

Correndo o risco de ser politicamente incorreto, há males que vêm para bem. O surgimento da Aids, identificada em 1981 -em que pese a ainda ausência de uma terapêutica eficaz para a moléstia-, fez com que os estudos médicos na área relacionada à imunologia, virologia e oncologia evoluíssem numa velocidade até então inaudita.
O combate à Aids se dá hoje basicamente em três frentes -excluídas, é óbvio, as besteiras como beber urina ou doar bens à Igreja Universal do Reino de Deus. A primeira delas, cuja idéia geral é ensinar o sistema imunológico a reconhecer e combater o vírus HIV, visa a desenvolver uma vacina contra a doença; parece ser a mais fraca das abordagens. Como os demais membros da família dos retrovírus, o HIV tem uma membrana celular extremamente mutável, com poucas proteínas efetivamente fixas, o que exigiria diferentes vacinas para diferentes cepas do vírus.
Numa linha mais promissora, estão as drogas antivirais, que procuram inibir a multiplicação dos vírus no organismo hospedeiro. A precursora dessas drogas, o AZT (azidotimidina), é um composto extremamente tóxico, mas que é capaz de inibir a enzima transcriptase reversa, pela qual o HIV, que tem seu material genético constituído por RNA (ácido ribonucléico) em vez do mais comum DNA (ácido desoxirribonucléico), consegue atingir o DNA da célula hospedeira ordenando a replicação do vírus.
Os progressos nesse campo são evidentes. Uma nova droga antiviral, o PMPA, revelou-se bastante efetiva no controle da imunodeficiência símia e é cem vezes menos tóxico que o AZT.
A mais recente frente de batalha procura impedir que o vírus atinja a maturidade, quando só então é capaz de infectar as células humanas. A idéia é bloquear a enzima protease. Quando um HIV invade uma célula e ordena a replicação de seu material genético, surgem os vírions do HIV. O vírion do HIV é uma estrutura ainda imatura e incapaz de causar infecção. Depende da protease para converter-se em vírus e tornar-se ativo. Novas drogas como o MK-639, o Saquinavir e o ABT-538 inibem a protease. Essas drogas podem ser associadas aos agentes antivirais com resultados clínicos ainda incertos, mas teoricamente promissores.
O imenso interesse comercial por um produto -ou coquetel de produtos- capaz de curar ou controlar a Aids vem fazendo com que grandes laboratórios invistam verdadeiras fortunas na pesquisa da moléstia. Inverte-se assim a tradicional equação de que a ciência básica é patrocinada sempre pelos governos. Os resultados e subprodutos dessa inversão, não só no campo da Aids como também da oncologia e virologia, são paradoxalmente um fator positivo para a ciência médica. Resta aguardar uma droga efetiva contra a Aids para então celebrar esses resultados.

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