São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 1995
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O cerimonial de adeus

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - O raio caiu justo no núcleo do poder: o chefe do cerimonial foi afastado do cargo por causa da gravação de uma fita que o indicia como intermediário de favorecimento num caso já bastante suspeito. É a volta das fitas gravadas e dos indícios que marcaram o final do governo Collor e o escândalo dos anões do Orçamento.
PC Farias foi para a cadeia. O ex-chefe do cerimonial de FHC irá para o México -pois é diplomata de carreira. A aprovação desse novo cargo depende do Congresso, seara na qual FHC tem-se revelado um feitor competente, dele obtendo tudo o que precisa ou ambiciona.
Nem seria o caso de se culpar pessoalmente o presidente da República por admitir em seu círculo mais íntimo um intermediário de tal influência. Como no caso de Collor, temos de admitir que a mágica das campanhas eleitorais tem preço elevado e suspeitíssimo.
Tanto Collor como FHC foram eleitos com muito dinheiro, um dinheiro mil vezes superior ao patrimônio dos interessados. Lubrificado pelo pavor de ter Lula no poder, o sistema econômico que gravita e depende do governo é generoso na hora de financiar a campanha dos candidatos que considera confiáveis.
É pouco. Há um tipo de capital que não precisa apenas de proteção, mas de expansão. Esse é o mais aflito, o mais disposto a dar e a cobrar. Em tese, os presidentes são inexpugnáveis ao suborno. Querem e se contentam com o poder em si. Mas não governam sozinhos. Precisam de uma entourage que muitas vezes, como no caso de Collor, está a um passo da quadrilha.
De há muito a imprensa alertava o próprio governo sobre o projeto da Amazônia. Era muito dinheiro, muita comissão em jogo. Os interessados têm um faro para saber onde e como se infiltrar no núcleo de decisão. Sobretudo, através de quem.
Li no noticiário que o embaixador Júlio César, além de ter conquistado a confiança e a proximidade do presidente, era considerado um dos "protegidos" de dona Ruth. E o escândalo veio à tona por ciumeiras e disputa de prestígio interno. É a cerimônia de adeus de uma credibilidade.

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