São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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Santos pode virar algoz de paulistanos

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Talvez por ter nascido e se criado à beira-mar, talvez porque seu sotaque aproxima-se mais dos esses e erres lascivos dos cariocas do que os acaipirados e italianados aqui de cima, o fato é que o Santos sempre foi o mais carioca dos times paulistas. Antes de Pelé, era o cais onde desembarcavam levas e mais levas de jogadores do Fluminense, como Hélvio, Pascoal, Telesca, Carlyle, Tite, Orlando Pingo de Ouro ou vascaínos, como Vasconcellos. Com Pelé, foi adotado pelos cariocas, e o Maracanã lotado de rubro-negros, tricolores, botafoguenses e almirantes, passou a ser o palco de suas mais inesquecíveis exibições.
Mas não é por essa afinidade que o Santos passou a ser o algoz dos únicos paulistas que poderiam sonhar ainda com a classificação neste Brasileiro, como o Corinthians, que ele praticamente despachou no domingo, e o Palmeiras, seu adversário desta noite. É que o Santos também sonha; ele é o único que pode se classificar com suas próprias forças.
As circunstâncias, pois, é que fazem do Santos mais uma vez a alegria dos cariocas e, quem sabe, dos mineiros.
Já o Palmeiras, embora cumpra a melhor campanha entre todos os participantes do torneio, reclama da forma de disputa. Ah, se fosse o velho sistema de pontos corridos... Mas não é, e o Palmeiras deixou escapar a chance de se classificar no primeiro turno, com certa folga.
E vai ter de verter sangue esta noite para continuar sonhando, posto que este Santos, além de estar jogando bem, vem cheio de moral, sobretudo após as goleadas contra Flamengo e Corinthians.
Acontece que o Palmeiras é mais time do que Flamengo e Corinthians. Seu treinador dispõe de mais alternativas no banco para mudar o perfil da equipe durante o jogo e parece que, com Luxemburgo, readquiriu aquele espírito competitivo que sumira nos tempos incertos de Carlos Alberto. Além do mais, o Santos deve vir cansado, já que, no domingo, teve de esfalfar-se naquele gramado encharcado da Vila para arrancar a vitória histórica sobre o Corinthians, ainda que tendo um jogador a mais a maior parte do tempo.
Por outro lado, o Santos tem Giovanni, que muita gente boa diz não ter visto em campo no domingo. Pois eu vi. Não só nos lances capitais, mas em vários outros, de tamanha sutileza que talvez tivessem escapado aos olhos mais desatentos.
Um deles foi tão refinado e elegante que, em outros tempos, seria descantado aos sete mares. A bola veio rasteira em sua direção, na intermediária corintiana, quando Giovanni pressentiu a chegada de um zagueiro inimigo. No átimo do encontro entre ele, a bola e o adversário, Giovanni deu um fino toque de ponta de pé. A bola escapou do pé inimigo, rodopiou sobre si mesma em sentido contrário, ganhou o efeito desejado, e, ao repicar no chão, seguiu macia e submissa na direção do craque. Um lance de fazer inveja ao taco de ouro de um Carne Fria. Um desses raros momentos que fazem do futebol ainda uma arte.

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