São Paulo, sábado, 25 de novembro de 1995
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Reforma agrária no estado de São Paulo?

JOSÉ GOMES DA SILVA

Uma das idéias dominantes nos anos 60, hoje superada, era a de que a Reforma Agrária (o Estatuto da Terra escreve a expressão com iniciais maiúsculas) deveria ser feita no Nordeste, sobretudo na Zona da Mata, onde o latifúndio canavieiro era tido, na época, como o exemplo da grande propriedade improdutiva.
Ainda naquela década, o eixo da discussão da questão da terra deslocou-se, inesperadamente, para o Estado de São Paulo, onde o governador Carvalho Pinto, um homem reconhecidamente de centro, encampara a tese de seus auxiliares e propunha uma lei de revisão agrária baseada nos dois instrumentos clássicos de ação fundiária: a desapropriação por interesse social e a tributação fortemente progressiva.
A experiência paulista foi castrada por uma manobra política do presidente do Senado Federal, grande terratenente no Estado de São Paulo, que inesperadamente colocou em tramitação um projeto de lei que dormitava na casa, transferindo o ITR (Imposto Territorial Rural) dos Estados para os municípios. Com isso, Carvalho Pinto e São Paulo ficaram sem recursos para custear assentamentos e a revisão agrária foi arquivada.
Apesar da manobra desleal (para dizer o mínimo), a experiência paulista resultou em diversos dividendos importantes.
Em primeiro lugar, mostrou para o país inteiro que a questão da terra não era um problema exclusivo do Nordeste nem tampouco uma proposta subversiva. A figura serena e impoluta de Carvalho Pinto e de seu secretário da Agricultura (usineiro e banqueiro) deram ao tema um aval conservador que ajudou muito a desarmar os reacionários.
Por outro lado, embora a revisão agrária tivesse curta duração, pela pressão fiscal numerosas benfeitorias foram feitas, sobretudo nas casas dos trabalhadores rurais, pois se tornava mais barato realizá-las do que pagar o ITR progressivo que penalizava as más condições sociais das fazendas, principalmente habitação.
Foram também feitos alguns assentamentos em terras públicas e particulares, sendo que a fazenda Capivari ainda hoje ajuda a popularizar a expressão "reforma agrária" na região de Campinas.
Restou, por último, uma inestimável experiência operacional no trato da questão agrária, já que se formou um seleto corpo de especialistas que passaram a influenciar ações do governo federal e irradiar conhecimentos para outros Estados.
Foi dessa equipe que saíram diretores do Incra, um presidente da Supra e do Incra, procuradores de órgãos estaduais de terras e um grupo que ajudou a redigir o Estatuto da Terra, a primeira lei de reforma agrária do Brasil.
O antigo Centro de Treinamento de Campinas sediou o 3º Curso Internacional de Reforma Agrária -a mais sofisticada capacitação de técnicos no assunto jamais realizada no Brasil- e o 2º Seminário Internacional de Problemas da Terra, marcando a presença do Estado de São Paulo nos debates internacionais sobre o tema.
Como subproduto da "intelligentsia" que se irradiou de São Paulo, partiu também daqui a idéia de criar uma entidade não-governamental (quando ainda não se falava em ONGs) que "mantivesse a chama acesa" durante os períodos desfavoráveis à realização de mudanças na estrutura agrária.
Foi, assim, fundada a Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), que promove cursos, dá assessoria e publica regularmente há 27 anos, sem interrupções, mesmo nos períodos mais difíceis, uma revista especializada, "Reforma Agrária", o único periódico do gênero em língua portuguesa.
As ocupações de Itapeva, Sumaré, Iperó, Andradina e tantas outras trouxeram o nosso Estado novamente para a pauta da questão da terra nos anos recentes. Mas foi a questão do Pontal de Paranapanema que colocou novamente o Estado de São Paulo no eixo das discussões sobre reforma agrária, depois de um longo período em que a primazia das ações se desenrolava no Rio Grande do Sul.
Melhor que qualquer outra área do país, o pontal presta-se admiravelmente bem para realizar uma verdadeira reforma agrária, já que se trata de um amplo espaço, permitindo formar toda uma "zona reformada", dispõe de infra-estrutura construída pelo Estado, as terras são de regular fertilidade e estão cercadas por milhares de potenciais beneficiários com tradição no trabalho da terra.
Há, ainda, uma última questão que tem transformado o Estado de São Paulo no centro das discussões sobre a questão da terra. Trata-se das áreas que as pessoas físicas ou jurídicas, paulistas ou não, mas residentes no nosso Estado, possuem fora de São Paulo. Essas cifras permitem traçar o mapa da apropriação da terra no Brasil, que mostra o motivo pelo qual partem daqui da unidade bandeirante, também, as maiores reações contra a reforma agrária.
Na verdade, esses residentes no Estado de São Paulo possuem, segundo levantamento efetuado em 1982, quase 20% da superfície cadastrada de todo o Brasil (quando a área do Estado de São Paulo é de apenas 5% do Brasil), já que, além do nosso Estado quase inteiro, detinham 37,1% das terras de Mato Grosso, 15,3% das terras cadastradas do Pará, 9,6% das terras de Goiás e outras participações menores no Amazonas, Paraná e Acre.
Sabe-se que de 1982 para cá os investidores residentes no Estado de São Paulo passaram a atuar também na Bahia, no Maranhão e no cerrado mineiro.
A conclusão é óbvia: ao reagir contra a reforma, os fazendeiros paulistas não estão temendo a desapropriação de suas terras em São Paulo, geralmente bem aproveitadas (mesmo porque menos de 3% dos atuais proprietários são passíveis de desapropriação), mas estão defendendo seus latifúndios situados em outros Estados, mantidos, em boa parte, simplesmente, como reserva de valor.

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