São Paulo, sábado, 25 de novembro de 1995
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Enrola, enrola e não explica

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - O noticiário de ontem desta Folha reclama, com razão, da demora do presidente da República em agir no caso do "grampo" no telefone de seu então chefe do Cerimonial, embaixador Júlio César Gomes dos Santos.
Sempre disposto a acreditar em tudo o que diz o governo, fui atrás de uma explicação. Ei-la: o presidente só poderia agir "institucionalmente", ou seja, após a tramitação de papéis que tornassem oficial o que era extra-oficial (ou seja, o relatório sobre as conversas de Júlio César, apresentadas a FHC por Francisco Graziano no dia 9).
Ainda que se aceite essa explicação, no caso específico do afastamento do embaixador, fica faltando uma explicação para o outro aspecto da questão, o da responsabilidade pelo "grampo".
É óbvio que se foi Graziano quem apresentou ao presidente o relatório, ainda que extra-oficialmente, só poderia ser ele o inspirador do "grampo", valendo-se da condição, à época, de chefe de gabinete de FHC. Ou, no mínimo, a pessoa que saberia a gênese de toda a história.
Muito bem: 11 dias depois de tomar conhecimento dos fatos, o presidente ainda exigia da Polícia Federal um relatório circunstanciado sobre as origens do "grampo", como se não soubesse nada sobre a participação de Graziano.
Vamos admitir, de novo, que o presidente agiu "institucionalmente", em vez de se fiar em conversas, relatórios verbais, o que seja.
Ainda assim, fica faltando uma explicação: por que o ministro da Justiça, Nélson Jobim, anunciou anteontem, dia 24, oficialmente, que Graziano era o responsável pelo "grampo", antes que toda a papelada tivesse a tramitação "institucional"?
No dia 9, como no dia no dia 24, já se sabia disso e sempre extra-oficialmente. Por que, então, não contar, já no momento em que o episódio ganhou ares de escândalo, a história verdadeira? Para que esperar tanto tempo, divulgar versões que se sabiam serem falsas ou no mínimo parciais, em vez de abrir o jogo?
A consequência inevitável, até agora, é uma só: cada vez que tenta se explicar, o governo se enrola mais. E o novelo vai permitindo que surjam cada vez mais pontas soltas.
Ainda vai acabar dando curto-circuito.

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