São Paulo, sábado, 25 de novembro de 1995
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Sob o império do medo

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Até a semana passada, Brasília abrigava três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Agora, dá guarida a um novo e sinistro poder: a Polícia Federal.
Na capital dos últimos dias vive-se sob o império da polícia. Ontem mesmo tive a prova. Como de hábito, comecei o dia pendurado ao telefone. Toquei para um ministro. Bom sujeito. Um garganta solta.
Atendeu-me de prontidão. Nada de bom dia. Nem menção ao usual "como tem passado". Foi seco e direto: "Vê lá o que vai dizer." Estranhei: "Calma, ministro, o que houve?" E ele: "O 'grampo', cuidado com o 'grampo'." Pensei que fazia graça. Mas não. Falava sério.
Sob o tacão da polícia, a Brasília de Fernando Henrique é uma cidade das cavernas. O telefone, um utensílio em extinção. Nem para encomendar pizza serve mais. Vivo, Graham Bell seria enforcado na praça dos Três Poderes. Sob aplausos de meia Esplanada.
Pessoalmente, jamais confiei em telefone. Só conto ao aparelho aquilo que possa repetir diante de um padre ou de um juiz. No geral, porém, dá-se o oposto. Numa cidade em que poucos resistiriam a cinco minutos de escuta, espalhou-se o pânico.
Súbito, o brasiliense é o mais desprotegido dos seres. "Grampearam" o vizinho de sua excelência. Em tais circunstâncias, só o tolo acha-se a salvo. Quem hoje "grampeia" o discípulo, amanhã bem pode "grampear" Jesus Cristo. Já imagino a cena.
O delegado para o juiz: "Recebi denúncias anônimas contra um tal Fernando Cardoso, vulgo FC. Consta que é traficante. Peixe graúdo." Pede e obtém a escuta. E, no mesmo dia, estará bisbilhotando as conversas do presidente.
Alguém precisa pôr uma rédea na polícia, chamá-la à responsabilidade. Ou continuará fazendo gato e sapato do presidente. Continuará sapateando sobre a autoridade do ministro da Justiça.
Entre parênteses: não se pode também admitir que, à revelia do STF, prolifere no Judiciário a indústria do "grampo". Só em Brasília, autorizaram-se 50 escutas desde janeiro.
Em parte, é culpa do Congresso. Deputados e senadores precisam regulamentar a escuta, prevista na Constituição de 88.

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