São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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Um caso insolúvel

JANIO DE FREITAS

A reunião do Conselho de Defesa Nacional serviu, em parte, ao propósito pessoal do presidente Fernando Henrique ao convocá-la, que era o de jogar também sobre outros ombros o desgastante papel de patrono do Sivam. A partir de agora, Fernando Henrique dirá que o projeto, na formulação como na urgência, está aprovado pelo conselho, mas a dubiedade da nota emitida é própria das reuniões inconclusivas.
Se os presidentes do Senado e da Câmara, José Sarney e Luís Eduardo Magalhães, já se esquivavam do apoio ao projeto e ao negócio nos termos atuais, com mais razão o fariam no conselho depois do que se passou na quase madrugada anterior à reunião.
Passou-se em outra reunião, esta, sim, produtiva. Era da comissão especial do Senado que discute o Sivam. Já nas primeiras horas o senador Eduardo Suplicy, como é do seu hábito, lançou com toda a elegância uma pergunta incômoda a dois depoentes. O ex-ministro e almirante Mario Cesar Flores e o coordenador do Sivam, brigadeiro Marco Antonio Oliveira, não souberam explicar como e por que a Aeronáutica, em informação dada ao Senado, aumentara de US$ 140 milhões (1O% do valor declarado do Sivam) para US$ 250 milhões o que a Esca receberia, se não tivesse sido excluída do projeto por ilegalidades denunciadas pela imprensa. Sonegadora do INSS e amparada em um atestado de quitação falso, a Esca, para quem não se lembra, era constituída por oficiais da reserva da Aeronáutica.
O melhor, como deve ser mesmo nos bons espetáculos, ficou para os minutos finais das seis horas e meia de sessão. Já passava da meia-noite de ontem quando os senadores Luiz Alberto de Oliveira e Eduardo Suplicy questionaram o brigadeiro Marco Antonio Oliveira sobre a proposta, atribuída ao senador Gilberto Miranda, de entrega total do Sivam à empresa americana Raytheon, figurante no projeto apenas como fornecedora dos equipamentos. A primeira menção a esta proposta audaciosa foi feita por Fernando Henrique, ao dizer a parlamentares que Gilberto Miranda, depois de uma viagem aos Estados Unidos, lhe oferecera parecer favorável ao Sivam, como relator do projeto no Senado, se fossem entregues à Raytheon, além dos equipamentos, todas as obras de infra-estrutura.
O brigadeiro Marco Antonio Oliveira era um dos presentes à reunião referida por Fernando Henrique. Apesar do esforço para não se envolver explicitamente no que haja entre o presidente e o senador, acabou por confirmar que Gilberto Miranda, de fato, condicionara o parecer favorável à entrega total do Sivam à Raytheon. O governo, porém, não tinha condições políticas, nem na opinião pública, para mandar ao Congresso uma mensagem com tal proposta. Gilberto Miranda deu parecer contrário ao Sivam.
Citado de maneira muito comprometedora nas gravações de telefonemas entre o embaixador Júlio Cesar Santos e o representante da Raytheon, José Afonso Assumpção, Gilberto Miranda torna-se objeto de mais uma curiosidade: o que se passou em sua viagem aos Estados Unidos, ou em suas conversas com Assumpção? E, mais importante para o destino do tão atingido Sivam, que papel teve na atitude de Gilberto Miranda a empresa a que pretendem entregar parte tão importante e onerosa deste projeto já por si desatinado?
Não há Conselho de Defesa Nacional que possa atestar a lisura do que envolve esta Transamazônica aérea. Para o Sivam, CPI é pouco. Levá-lo adiante será muito mais do que irresponsabilidade. É melhor nem dizer o que será.

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