São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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Os não-suicidas

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Mais um caso para reflexão da mídia: um embaixador acusado de delito funcional (troca de dólares no paralelo do país onde servia) suicidou-se no domingo, atirando-se pela janela de um apartamento, na mesma avenida onde moro, aqui na Lagoa.
Evidente que o suicídio não chega a ser uma prova de inocência. Tampouco é de culpa. Não tenho elementos para julgar o caso com objetividade, sei o que foi revelado pelos acusadores do suicida e divulgado com fartura pela mídia.
Há precedentes nessas acusações. Evitando citar nomes do passado recente, temos agora o suicídio de um homem que não aceitou a acusação e lutava para provar que era inocente. Um colapso psicológico o feriu no início da tarde de um domingo, que costuma ser um dia do lobo para aqueles que precisam tomar decisões.
Milhões de domingos virão e acredito que não teremos suicídios provocados pela fusão do Nacional com o Unibanco -façanha da chamada "engenharia" bancária que envolveu R$ 4 bilhões, quase três vezes o pacote do Sivam, que também não provocará suicídios.
Fico emocionado quando vejo as autoridades do país, a começar pelo presidente, pedirem paciência à população. O governo reconhece que os hospitais estão falidos, falidas estão as escolas, as estradas, tudo -menos os bancos, que por sinal estão realmente falindo ou ameaçados de falir. Qualquer coisa pode falir neste país -menos um banco estruturalmente falido.
O caso do embaixador suicida será esquecido -nem sequer comoveu a nação. O caso dele envolvia alguns poucos dólares, e a honra pessoal dele só interessava a ele próprio e à sua família. Se amanhã for provada a sua inocência, tudo ficará por isso mesmo.
O importante foi salvar o Nacional, importante é salvar o Sivam -para eles, todos os bilhões do erário serão poucos, o que há de gente interessada não é mole e ninguém tem crises de consciência. Logo, não teremos suicídios em massa. Deve ter sido essa a segurança que nos foi prometida durante a campanha eleitoral.

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