São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995 |
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País é o nosso inimigo mais querido
ALBERTO HELENA JR.
Ainda hoje, passados quase meio século, há quem desfralde a bandeira rota do 16 de Julho, às vésperas de cada encontro entre brasileiros e uruguaios. Por mais que tenhamos vencido os uruguaios, depois daqueles fatídicos 2 a 1 de 50, a vingança nunca se completa. O gol de Gigghia, o tapa de Obdúlio Varela no rosto de Bigode, as lágrimas de Danilo, depois do jogo, sob o silêncio surrealista de 200 mil espectadores nas arquibancadas, são imagens que parecem ter ficado congeladas para sempre na alma brasileira. Versão e fato Essa história já foi revista milhares de vezes, e a verdade é que ninguém viu o célebre e humilhante tapa de Obdúlio em Bigode, assim como é certo que El Grán Capitan uruguaio ficou tristíssimo, após a euforia da conquista, quando se deu conta da dimensão do estrago causado na alma daquele povo alegre e cordial. Sim, porque éramos alegres e cordiais naqueles tempos. Ou fazíamos de tudo para aparentarmos isso. E aqui ergue-se a ponte da amizade entre brasileiros e uruguaios, vizinhos, tão vizinhos que chegam a misturar suas línguas numa só, fronteiriça. Naquela seleção uruguaia, por exemplo, havia negros e mulatos, como na nossa. O próprio Obdúlio, símbolo da raça uruguaia, era um mulato alto e forte, enquanto se reverenciava o talento e a lisura do negro Rodriguez Andrade, um lídimo antecessor do nosso Djalma Santos. Ao contrário dos soberbos e alvos argentinos, os uruguaios sempre buscaram na modéstia das dimensões de seu pequeno país a força que os fazia enfrentar e, muitas vezes, vergar os gigantes ao lado. E era exatamente essa garra, essa capacidade de entrega total dos uruguaios, que seduzia o futebol brasileiro, pródigo em miçangas e visagens. "Vingança" Por isso, o time brasileiro que, dois anos mais tarde, foi disputar o Pan do Chile, todo remodelado, sob o comando de Zezé Moreira, apostava sobretudo na disciplina tática e no empenho dos novos craques que por aqui surgiram: Julinho, Djalma Santos, Pinga, Didi etc. Saudamos os 4 a 2 sobre os uruguaios como a vingança de 50. Mal sabíamos que repetiríamos esse gesto muitas vezes mais, sem que ele jamais se realizasse plenamente. Em 59, por exemplo, em Lima, já campeões do mundo, metemo-nos numa briga monumental com os uruguaios, e a foto de uma tesoura voadora de Didi sobre Santamaria, o becão famoso que integraria mais tarde o célebre Real Madri de Di Stefano, transformou-se no símbolo da virilidade brasileira finalmente alcançada. Anos 70 Certeza abalada, quando, já nos anos 70, a TV captou em todas as cores a fuga de Rivelino em direção ao vestiário, com o negro Ramirez em seu encalço. Engana-se, porém, quem espiar o futebol uruguaio só por essa fresta. Ele nos deu também, além de raça, muito talento. Como o meia Schiaffino, um maestro com a bola nos pés. E, que dizer de Pedro Virgílio Rocha, que adotamos definitivamente? Passo a palavra a Pelé, que, em 70, simplesmente inscreveu Rocha no seleto grupo dos cinco melhores avantes do mundo. E mais: Mazurkiewcz, um dos mais completos goleiros da história do futebol, Dario Pereyra e tantos outros. Só não poderá nos dar de volta a Copa de 50. Esta será uma vingança eterna. Texto Anterior: Caminhar pode ser boa opção Próximo Texto: Eleição de Sanguinetti abre país à democracia Índice |
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