São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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O impacto da transposição de águas em regiões semi-áridas

LEONARDO MALTCHIK GARCIA

Da superfície terrestre, 40% se classifica como zonas áridas e, neste momento, a proporção dessas terras está em contínuo aumento, devido a processos de desertificação, variação climática e destruição das grandes florestas.
Hoje em dia, quase 20% da população humana vive nas zonas áridas e semi-áridas. Nesse contexto, os rios temporários são de extrema importância para a sobrevivência da população. Diminuição das áreas produtivas e modificação da bioquímica da Terra são os primeiros conflitos de interesses que as populações humanas enfrentam, como consequência da expansão das zonas áridas.
Hoje em dia, diversos aspectos apontam a necessidade de estudar os rios de regiões semi-áridas, já que esses ecossistemas funcionam como amplificadores do desequilíbrio climático regional.
Os rios temporários apresentam duas fases de perturbações hidrológicas: a cheia e a seca, as quais desempenham um importante papel na organização, funcionamento e evolução desses ecossistemas.
No Brasil, a região semi-árida corresponde a 10% do território nacional e o principal aspecto da hidrologia da região é o caráter temporário dos rios. Infelizmente, muito pouco se conhece a respeito da sua estrutura e funcionamento.
Recentemente, a hidrologia do Nordeste brasileiro vem ganhando destaque com a idéia de transvazar as águas do rio São Francisco como provável solução para terminar com o problema da seca na região.
Transvazar água entre diferentes bacias é uma estratégia utilizada por diferentes países para suplementar carências desse recurso em regiões áridas e semi-áridas. A valoração do impacto ambiental que pode produzir a transposição de água em uma grande escala é um tema multidisciplinar e que inclui aspectos ambientais, tecnológicos e socioeconômicos.
Diferentes são os impactos ambientais que a transposição de água entre bacias pode produzir. Entre eles se destacam: perda da integridade e características próprias da região, perda de espécies endêmicas, contínua introdução de novas espécies, propagação de doenças, perda da qualidade da água, alterações dos regimes hidrológicos, alterações no funcionamento dos ecossistemas estuarinos e marinhos e variação climática da região.
Como solução para o problema da seca do Nordeste, há outras alternativas mais ecológicas e economicamente mais parcimoniosas.
Antes de optar por projetos que envolvam milhares de milhões de reais para suplementar a carência de água da região, é necessário elaborar uma política de água regional, que envolva um melhor aproveitamento da água disponível e do patrimônio genético, reciclagem da água residual, melhor gerenciamento das bacias hidrográficas, uso racional da água subterrânea e até mudanças nos sistemas de cultivo, com a introdução de práticas agrícolas menos agressivas ao meio ambiente.
Em 1979, G. V. Voropaev (no livro "Interregional Water Tranfers: Problems and Prospects", Pergamon Press) elaborou algumas diretrizes em nível global para a problemática do abastecimento de água: 1) necessidade de tratar o problema da água em nível nacional; 2) estudar efeitos das formas dos recursos hidrológicos nos processos naturais; 3) necessidade de considerar o desenvolvimento dos sistemas aquáticos durante um grande período de tempo (40-50 anos); e 4) necessidade do desenvolvimento, análise e comparação de diferentes alternativas de produção, como base para formular opções na demanda e na disponibilidade de água e em problemas de proteção do meio ambiente.
Como conclusão, eu penso que transvazar água entre bacias deveria ser a última alternativa adotada para terminar com o problema da seca no semi-árido brasileiro.
Antes de iniciar obras hidráulicas desse porte, planejadores e gestores deveriam refletir primeiramente quanta verba foi destinada com a finalidade de conhecer a ecologia e o funcionamento dos rios temporários do semi-árido brasileiro para auxiliar o gerenciamento e o manejo de um plano de transposição de águas.
Felizmente, desde a Eco-92 do Rio de Janeiro já somos um país que, oficialmente, tem um compromisso mundial com o meio ambiente. Os órgãos executivos deveriam se perguntar e analisar se estão conduzindo pesquisas de meio ambiente com a mesma intensidade com que estão sendo implementados os sistemas econômicos e de engenharia.
Por fim, gostaria de destacar que, pela grande magnitude dessas obras, falta de conhecimento e escassa metodologia, alguns pesquisadores já compararam essas obras da engenharia hidráulica com outras já propostas, como modificação do clima, transporte de icebergs e uso de petroleiros para o transporte de água potável.

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