São Paulo, terça-feira, 12 de dezembro de 1995
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O Sivam e o "reinventor do transistor"

GUIDO DE RESENDE SOUSA

Os mestres normalmente não se lembram de seus pupilos. Alunos, ao contrário, tendem a se recordar de seus mestres e dos grandes e mais polêmicos professores. Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), meados da década de 60, alunos do curso profissional de eletrônica, tivemos contato com um mestre inesquecível -o professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite. "Iteano", PhD na França, vinha de trabalho científico nos EUA e, por meio dele, seríamos iniciados na novidade eletrônica da época -o transistor.
Aulas, exercícios e provas sobre outra matéria -como reinventar o transistor-, foi o que o mestre procurou nos transmitir ao longo de meses (nada foi reinventado). "Mas, professor! E os circuitos transistorizados?"; "Isso não é importante, podem aprender nos livros-texto". Como foi árduo tentar reinventar o transistor e também circuitos transistorizados e outras matérias.
E não é que o reencontro, 30 anos depois, tentando reinventar o Sivam! De tanto tentar reinventá-lo, já está se tornando repetitivo; seus artigos de novembro são clones dos publicados no primeiro semestre. Os pontos a seguir devem ser esclarecidos, para melhor compreensão do Sivam e da visão de um de seus mais insistentes opositores.
O Sivam não é só orientado para controle e policiamento do espaço aéreo; ele inclui vigilância ambiental, territorial etc., sendo instrumento do Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), cujas instituições componentes usarão os dados produzidos para coordenação de ações governamentais.
O Sivam não é uma panacéia para todos os males; ele ajudará as instituições envolvidas em ações na Amazônia. Se os meios são insuficientes, cabe às respectivas autoridades a obtenção do necessário: aviões para a FAB, agentes para o Ibama, comunicações para a PF etc. Estas têm de se mexer. Se a inexistência de meios para uso de recursos disponíveis por um sistema fosse justificativa contra sua implementação, o Sisdacta nunca teria saído do papel.
As funções previstas, como vigilância ambiental e territorial, não estão sendo desempenhadas satisfatoriamente pelas instituições responsáveis. O Inpe, Inpa, Ibama, Embrapa, Funai, PF etc. são defensoras entusiastas do Sivam, vide posição defendida pelos ministros da Justiça e do Meio Ambiente, bem como pelo diretor do Inpe.
Não se pode comparar o Sivam com o acordo nuclear, Transamazônica ou Ferrovia do Aço; ele deve ser comparado com seu similar, o Sisdacta, projeto que deu certo, mesmo contratado no exterior. Vamos deixar essa história de que "comprar tecnologia do Primeiro Mundo apresenta resultados catastróficos"; a Aeronáutica tem colhido excelentes resultados com o Sisdacta, de tecnologia francesa e co-produção brasileira, permitindo o desenvolvimento tecnológico nacional e, consequentemente, nossa participação na implantação do Sivam (40% do custo total).
Louvável o desejo de nossos cientistas de desenvolver o Sivam no país; mas desejo só não é suficiente, há que trabalhar, como tem feito a Aeronáutica, com a criação de centros de excelência da pesquisa aeroespacial. Os recursos para o Sivam vêm de financiamentos externos do Eximbank, do seu equivalente sueco e dos fornecedores. Não estão disponíveis para pesquisa pura; parte deles estão destinados ao desenvolvimento de softwares, sistemas, ao Inpe e produção de versões especiais do avião Brasília pela Embraer.
Se as empresas selecionadas tivessem sido Thomson-CSF e Alcatel, o financiamento francês teria sido também limitado a tais fornecimentos. Os custos do Sivam incorrem muito mais em fornecimentos e integração de equipamentos existentes do que em pesquisa e desenvolvimento; após a implantação do sistema, aí sim, os dados coletados permitirão extensa atividade de cientistas.
Não se pode aceitar sem comentários que um leigo em controle do espaço aéreo venha apresentar suas "verdades" em assuntos técnicos que não são parte de seu universo de conhecimentos. Como é que um leigo chega à necessidade de "pelo menos uma centena" de radares aeroembarcados para cobrir a Amazônia? Nem a Força Aérea dos EUA possui tal número absurdo. Como é que afirma que tais radares são descartáveis para a defesa contra aviões e outros objetos voando a grande altura?
Não deveriam ser confundidas as funções dos radares aeroembarcados de vigilância aérea com as do SAR (Symthetic Aperture Radar) dos aviões Brasília, de sensoriamento remoto. A respeito destes, qual a base técnica de comparação com o ERS-1 e o Radarsat?
Quando trata de custos, o leigo erra mais. Há referência a custo inferior a US$ 300 milhões para o componente controle de tráfego aéreo no Sivam; realmente, hoje é possível um sistema de tráfego aéreo a custos moderados.
Mas afinal, estamos tratando de US$ 300 milhões ou de US$ 30 milhões? A última referência a custos encontrada em artigo de nosso mestre inclui "declarações do próprio Ministério da Aeronáutica... quando se perdeu um avião de passageiros", segundo as quais seriam necessários apenas US$ 30 (30 mesmo) milhões para assegurar a proteção ao vôo na Amazônia. Ora, tal quantia referia-se apenas à implantação do novo complexo de proteção ao vôo em Belém (dois radares, torre de controle, centro meteorológico etc.). Aliás, foi pela ação de um controlador de vôo, utilizando informação de um daqueles radares, que outro avião desviado de rota foi salvo de desastre, cerca de um ano e meio após o acidente referido na citação.
Por fim, de onde colheu o professor a idéia de que em outros países a absorção de tecnologia é normalmente assumida pelos órgãos de governo? Nos países de avançada tecnologia, o esforço de absorção é dividido entre governo e empresas, como no programa Sisdacta. Houve adequada divisão sem que o governo se imiscuísse na produção, evitando-se a estatização de todo o processo. Não foi por falta de neurônios, talvez imitação de quem conhece o assunto -os países mais desenvolvidos.
Afinal, professor, é bom lembrar que em sua época de ITA, os laureados "summa cum laudae" eram oficiais da Aeronáutica -excesso de neurônios!

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