São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Cenas da alta noite

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Contagiado pela rotina dos dias úteis, costumo acordar cedo aos sábados, sem auxílio de rádio-relógio, galo ou sirene. Não é mau: assim que percebo que não é dia de trabalho, fecho os olhos novamente e mergulho no melhor sono da semana.
É uma "dilícia", essa prorrogação; me proporciona os raros sonhos de que consigo me lembrar. Quando pulo da cama, lá pelas 11h, estou tão descansado e disposto que posso encarar qualquer feira ou supermercado.
Pensando bem, "qualquer feira ou supermercado" é exagero; a disposição é grande, mas não infinita. Digamos que posso encarar qualquer padaria ou banca de jornal.
Nos dias úteis, porém, não ganho esse "bônus" de sono: preciso estar na rua às 7h20. Incapaz de me deitar cedo, jamais consigo ter "um bom sono e "um alegre despertar", como cantavam no comercial dos cobertores Parahyba.
Não que eu acorde de mau-humor, feito certas pessoas, que antes de 10h são mais intratáveis do que cascavéis; apenas fico em estado semiletárgico. Ligo o "piloto automático", e só assumo os controles depois do primeiro café no escritório.
Naturalmente, as emissoras de TV têm parte da culpa por eu dormir tão tarde; às vezes a têm inteira, como quando atrasam a programação.
A MTV tem exibido aos domingos, oficialmente às 22h30, a série "História do Rock-and-Roll". É pedagógica e ricamente ilustrada: pela primeira vez, pude assistir a apresentações dos "seminais" Hank Williams, Muddy Waters, Chuck Berry e Carl Perkins.
No dia 3 de dezembro, às 23h50 (uma hora e 20 minutos, portanto, depois do horário previsto), o quarto capítulo ainda não havia começado. Pois não é que, àquela hora tardia, passaram a chamada da série para as 22h30? Parecia gozação; o capítulo começou depois da meia-noite.
Na maioria das vezes, contudo, a culpa é minha: mesmo quando não há um evento especial, fico "enrolando" diante da TV até altas horas.
No início do "Onze e Meia", Jô Soares anuncia os convidados. Como de hábito, a entrevista mais atraente é a terceira. Fico propenso a esperar, mas a voz da razão adverte: devo acordar às 6h40.
Uma zapeada, antes de desligar. Na Globo, Sandra Annenberg anuncia para "daqui a pouco" os gols do Campeonato Brasileiro. Gol é gol; não consigo resistir.
O "daqui a pouco" não era muito sincero. Após os gols, volto ao SBT, e Jô está na segunda entrevista. Vou ao "Flash": Amaury Jr. está no lançamento do novo livro do Loyola.
Mariana de Godoy, moça do tempo da Globo, pega seu autógrafo e vai embora; saio com ela e volto ao Jô.
Acaba o "talk-show". Deixo a TV ligada, preparo-me para dormir: banho, dentes, pegar o livro para ler na cama.
Otávio Mesquita, no "Perfil", conversa com um gringo que representa uma marca de relógios finos. Incrível: até o portunhol de Mesquita é macarrônico.
Há fotos de celebridades usando o tal relógio. Uma é do falecido ator Yul Brinner, a quem Mesquita não parece conhecer; diz apenas que: "Não é o Kojak, viu gente?". Outro morto: "Olha quem também tem o seu: o fantástico Nixon".
Desisto. Fecho a luz e apago a porta, como diz a bela canção gaúcha. Os números do rádio-relógio brilham na escuridão. A consciência não me deixa desativá-lo, mas não custa torcer por um blecaute matutino.

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