São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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A educação em cartaz

JOSUÉ MACHADO
"EDUCAÇÃO, UM ASSUNTO QUE MINAS DÁ AULA."

Esse foi o fecho dos cartazes que o governo do Estado de Minas Gerais mandou afixar em vários pontos de Belo Horizonte, com explicações sobre como paga bem os professores.
O leitor Antônio Francisco das Neves, da capital mineira, manda o recado e pergunta se a frase oficial está certa.
Ele poderia perguntar por que a Secretaria de Educação não pediu a um dos fornidos e bem-pagos professores do ensino oficial que fizesse a revisão do texto.
Ou será que pediu? Será que o professor consultado resolveu sabotar o cartaz didático?
É possível que o redator educativo desse cartaz diga para seus alunos: "Hoje vou dar aula uso de preposições; amanhã dou aula como escrever cartazes sem erros."
Talvez ele próprio tenha perdido as aulas de regência nominal ou sobre como casar preposições com substantivos, adjetivos e verbos, coisa importante para quem escreve e não tanto assim para o Maguila.
Como não há cristão que não tenha dúvidas de vez em quando sobre que preposição combina com uma palavra ou outra, não fica mal consultar o dicionário.
Há até dicionários especializados no assunto. Os de regência verbal e de regência nominal. Mas é preciso ter semancol, a doença da dúvida que ataca os que leram alguns livros.
Enfim, como diria Prisco Viana, se não tivesse havido sabotagem, o final apoteótico do cartaz deveria ser:
"Educação, um assunto de que Minas dá aula. Ou: "Educação, um assunto sobre que Minas dá aula". Ou: "Educação, um assunto sobre o qual Minas dá aula."
Pois não se dá aula de um assunto? De educação? Ou sobre educação?
É claro que o redator educacional poderá dizer que a preposição, qualquer delas, está implícita, que houve elipse, recurso aceitável. Naturalmente. Só que nesse caso as preposições estão todas repousando nas gramáticas e nos dicionários. A madre superiora diria que, em textos para o público, escritos por especialistas em educação, não cabem torneios, elipses e muito menos doses elefantinas de distração, que pessoas impacientes chamam de ignorância.
A propósito, prisco significa antigo, velho, apelido depois adotado como nome. Mas, na linguagem poética da Roma imperial, como diz o "Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes", de Rosário Guérios (Ed. Ave Maria), tinha certa aura de respeito e veneração. A palavra, claro.
Não é preciso ir tão longe. O soneto "Vandalismo", de Augusto dos Anjos, fala em "templos de priscas e longínquas datas" e termina em desalento, mesmo sem ter conhecido nossos governantes e nossos cartazes educativos atuais, mineiros ou não:
"E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
"No desespero dos iconoclastas,
"Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!"
Nas duas orelhas
Uma das distrações mais comuns entre os falantes, até repórteres de rádio, TV, jornais e revistas, é a de que alguém se feriu nas duas pernas, nos dois braços, nos dois olhos, nas duas orelhas, nas duas nádegas.
Por que dois braços, duas pernas? É preciso enumerar? Se a vítima tiver mais de dois desses úteis apêndices, convém dizer que se feriu em dois ou três deles ou delas, especificando-se até se foram os do meio, das extremidades ou alternados. Será informação muito boa.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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