São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Uma doce descoberta

ALEX PERISCINOTO

Não são poucos os anúncios que eu guardo na cabeça. Minha brincadeira preferida, quando ainda garoto, era folhear revistas americanas, sem capa, cheias de riscos e pontas dobradas, dessas abandonadas em consultórios médicos e de dentistas, para ver de perto os anúncios, admirar as suas cores, as fotos, os diversos formatos.
Lembro de um desses anúncios, que muito me impressionou e até hoje guardo não só na cabeça, mas na boca e nos olhos. Era um anúncio multicolorido, gostoso de ver, que falava de um dropes especial: um doce com furinhos, o famoso "Candy with a Hole" (apelidado, aqui, de "dropes salva-vidas"). Ele vinha em diversos sabores e embalagens.
Naquela ocasião, além da vontade de saboreá-los, vinha-me a vontade de saber por que os dropes apresentavam aqueles furinhos. Só muito depois, já profissional de propaganda, é que pude descobrir: mais que um design interessante, os furinhos representavam cerca de 15% de economia para o produto e os dropes podiam, inteligentemente, manter-se no tamanho do concorrente.
A partir disso, o anúncio ficou na minha mente como um ótimo exemplo de esperteza de marketing: como conseguir vender exatamente o vazio de um produto. Na verdade, o que é vendido é o buraco do dropes, o desenho que intenciona lembrar uma bóia de um salva-vidas (daí o nome do produto).
E o interessante é que estamos falando de um anúncio lá de mil novecentos e Clark Gable: página limpa, layout moderno, texto criativo ("Por favor, não rasgue essa página"), que mais parece ter sido criado a semana passada, por uma dessas agências de hoje, ousadas e criativas. Anúncio que acabo de descobrir fazer parte de um livro de David Ogilvy, o mais notável mestre da publicidade moderna, onde estão reunidos os trabalhos feitos por amigos seus, verdadeiros monstros da criatividade, como Lasker, Resor, Burnett, Hopkins, Bernbach e Raymond Rubicam, este último o criador do anúncio "Candy with a Hole".
Ligando uma coisa a outra, eu também sou do tempo do dropes Dulcora, cuja campanha criativa o apresentava como sendo o único "embrulhadinho um a um" -o que fazia a diferença diante dos outros dropes, que não vinham separados e que grudavam um no outro, para desprazer dos consumidores.
A campanha, é curioso saber, foi realizada pelo então publicitário, hoje ministro pela segunda vez, Bresser Pereira.
Mas, que mal se pergunte: como anda o mercado desses doces no Brasil? Os dropes abocanham, hoje, 33% do mercado consumidor, e fala-se de um faturamento global de mais de US$ 1 bilhão. Um sucesso, se considerarmos, inclusive, os chamados "inimigos" número um deste mercado: os bons conselhos dos dentistas e a luta cada vez mais em voga pelo regime.
Para felicidade desse segmento, e para minha felicidade como consumidor e apaixonado por dropes (e por seus saudosos anúncios), a Unicamp acabou de fazer uma doce descoberta: um açúcar que não engorda e que não provoca cárie. Um furo de descoberta, não? Graças aos criativos da Unicamp e graças ao incentivo à pesquisa. Tudo indica que não só vamos consumir, como vamos incentivar a criançada a gostar ainda mais de doces.

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