São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Terrível realidade

PAULO CÉSAR C. FARIAS

Em junho próximo passado o Supremo Tribunal Federal concedeu-me progressão para o regime penal aberto, com prestação de serviços à comunidade, por meio do programa denominado "Mutirão da Execução Penal", da Secretaria de Justiça de Alagoas.
Revivi inicialmente o meu tempo de estudante de direito e advogado criminal, quando peregrinava pelo interior do Estado defendendo vários réus. Desta feita meu trabalho não seria como advogado, mas como bacharel em Direito.
Iniciei o novo ofício buscando dados sobre a vida prisional dos detentos da Penitenciária São Leonardo, em Maceió -um sombrio presídio de condições subumanas. Apesar do interesse do corpo funcional, os controles sobre os registros a respeito da situação de cada um dos presos são artesanais e bastante precários. Depois dessa análise prévia comecei a entrevistar diversos presos, escolhidos aleatoriamente, cotejando as informações que deles recebia com os dados inseridos nos arquivos.
Após 30 dias de trabalho, envolvendo a participação de estagiários de direito e alguns funcionários do presídio, tínhamos encaminhado ao juiz das Execuções Penais nada menos que 53 casos de progressão de regime, abrangendo cerca de 30% de uma população carcerária de 180 sentenciados.
Nesse programa da Secretaria de Justiça constatamos que, ao lado dos 180 sentenciados, convivem na Penitenciária São Leonardo 170 presos "sub judice". Ou seja, quase 50% dos detentos daquele estabelecimento não foram condenados, ainda aguardam julgamento.
Mais contristadora, porém, é a verificação de que cerca de 37% do grupo "sub judice" ali continua, sem saber até quando, muito embora vencido o prazo da "instrução criminal" (preparação dos autos para julgamento) nos respectivos processos. E são muito numerosos os casos de prisões preventivas que persistem há mais de um ano.
Li em alguma publicação, recentemente, que 97% dos presos no Brasil são pobres e não têm advogado. Se já é pequeno assim o número dos que podem contar com advogado durante o processo (instrução e julgamento), muitos entre esses não têm condições de manter a assistência de profissional do Direito ao longo da execução da pena, atenta à observância da lei e reclamando a progressão de regime, o indulto, a comutação da pena, a remição...
Muito grave -como pude verificar de perto na experiência sofrida-, o problema penitenciário brasileiro poderia ser consideravelmente minorado, no entanto, mediante ações pouco onerosas para o Estado:
1) A informatização das penitenciárias, para efetivo controle da situação prisional dos detentos. Dependendo do número de presos, um aparelho singelo atenderia às necessidades. O programa seria montado sem qualquer dificuldade, bastando a leitura da Lei de Execução Penal para elaborá-lo.
2) Criação de corpo de advogados do Estado para atender aos presos pobres. Em nossa Federação, há Estado com cerca de 300 procuradores e sem um único defensor público. Por que não deslocar 10% dos procuradores para atuarem como defensores públicos?

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