São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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Quando o jacaré tem razão

Existem certos limites que não podem ser ultrapassados. A partir de um certo momento -sempre difícil de ser precisado-, há um ponto em que o retorno não é mais possível. E o Brasil, ao admitir em projeto de lei que seres vivos podem ser patenteados, está perigosamente ultrapassando esses limites, ditados pela moral e ilustrados por uma ficção científica que, a cada dia, torna-se menos ficcional.
O jacaré de pano que desfilou na semana passada em Brasília contra o patenteamento de seres vivos está coberto de razão. É claro que a propriedade intelectual tem de ser respeitada. O laboratório que investe milhões de dólares na pesquisa e desenvolvimento de um novo remédio deve receber seus "royalties", sob pena de criarem-se desincentivos à pesquisa científica.
Quando se trata de permitir a patente sobre seres vivos, porém, toda prudência é pouca. A biotecnologia já criou bactérias devoradoras de petróleo e outros microorganismos úteis para o ser humano.
Há de se convir que, no ritmo alucinante em que progridem as técnicas de manipulação genética, em breve não serão só bactérias que surgirão dos tubos de ensaio. O porco transgênico, por exemplo, está em vias de tornar-se uma realidade. Amanhã, talvez, passem a existir homens criados em laboratório com o único propósito de servir como "banco de órgãos" para quem puder pagar. A imoralidade dessa situação hiperneoescravocrata dispensa comentários.
Uma vez que os limites são tênues e não admitem retorno, o bom senso e a "minima moralia" recomendam que sobre a vida não se firmem direitos comerciais.

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