São Paulo, terça-feira, 19 de dezembro de 1995
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A hora da verdade

LUÍS PAULO ROSENBERG

Como decorrência da implantação da estabilidade na economia brasileira, não só os dois/três próximos meses vão se tornando mais previsíveis: todo o próximo ano tem seus parâmetros básicos já definidos. Assim, a curto prazo, a atuação do governo ao longo do ano definirá mais variações em torno de um tema e será crucial para o médio prazo do plano.
Qual será, então, o cenário básico para 1996? Em primeiro lugar, paz nas contas externas. O mundo estará mais sereno em 96 do que esteve em 95. Isso é muito bom para o Brasil, que fecha suas contas externas na direção correta.
Após a recauchutagem da política cambial do Real, déficits transformaram-se em superávits, o que nos coloca na trilha de um saldo comercial que será suficiente para fecharmos o balanço de pagamentos sem financiamentos adicionais nem perda de reservas. Essa constatação produz duas implicações relevantes para a condução das políticas cambial e monetária: não há atraso cambial para ser recuperado nem necessidade de pagar juros atraentes para o capital financeiro internacional.
Internamente, o traço mais forte é o desaquecimento econômico. O degrau de queda da atividade econômica de abril para outubro deve ser dos maiores já observados no país. Decorrente do exagero no aperto monetário, a recessão provocada foi a principal causa da debilitação do sistema bancário e da falência de milhares de pequenas empresas.
Há indícios de que a atividade econômica, sazonalmente ajustada, teria se estabilizado nos últimos meses do ano. E é nesses níveis que entraremos em 96, com a agravante da sazonalidade. Infelizmente, por mais que se faça, 2% é limite superior da taxa de crescimento do PIB.
Quanto ao front inflacionário, só boas notícias. Basta chover um pouco mais no Sul para a agricultura aderir à corrente da felicidade, que levará a taxa anual de inflação em 96 para algo próximo a 12%.
Quais as questões problemáticas para o quadro econômico em 96? Em primeiro lugar, é importante reconhecer que o Plano Real, apesar dos sucessos acumulados, está longe da irreversibilidade. Ele depende de vontade política para propor os ajustes modernizantes e redutores do "custo Brasil" e de condições objetivas de aprovar tais propostas. Infelizmente, a demonstração de incompetência federal nessas áreas é desanimadora.
O destaque inicial é para o déficit do setor público observado em 95. Nunca se fez tanto déficit, em tão pouco tempo, por tão poucos dispostos a assumir a responsabilidade pelo estrago. Temos um presidente chegado a um gasto público e um Banco Central que vai para o "overkill" do setor privado como compensação.
Quanto à competência para tocar reformas, quem inspecionar o desempenho de FHC no Congresso durante o primeiro semestre necessariamente concluirá que nunca se avançou tanto naquela casa na execução da vontade presidencial.
Entretanto, os dois últimos meses, marcados pelas crises do Sivam e da "pasta rosa, comprometeram a imagem do governo profundamente. Quebrou-se o encanto que o fazia imbatível no Congresso, porque invulnerável.
Finalmente, a última ameaça latente ao Real. Por mais que torçamos, há uma crise bancária pairando sobre a economia.
As quebras ocorridas trincaram o cristal da credibilidade no sistema. O nível de inadimplência elevadíssimo e em alta no próximo trimestre joga álcool no fogo. A manutenção inexplicável de juros corrosivos liquida esperanças de devedores à beira de um colapso financeiro. E a elogiável determinação do Banco Central de abortar a crise bancária pode ficar comprometida pelo esvaziamento político do presidente e pelos ataques injustamente dirigidos por políticos aos diretores do banco.
É natural, pois, a conclusão final: o plano está bem, nada de errado lhe acontece que não possa ser revertido. O cenário macroeconômico de 96 está definido, em suas grandes linhas, e é menos volátil do que foi em 95. Entretanto, questões bem graves se colocam para o próximo ano.
Ao se aproximar a hora da verdade, temos que reconhecer que o inimigo está mais bem escalado do que o governo. Condições para virar o jogo o presidente tem de sobra. Vontade, determinação, estabilidade emocional e objetividade, suporte de suas origens políticas, falta provar. Esse é o tema principal com que lidaremos em 96.

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