São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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A entrega de seringas e a Lei

EDEMUR ERCILLO LUCHIARI

As ações práticas promovidas para modificação de comportamentos de risco relacionadas com a sexualidade e sangue transfundido provocaram uma reação positiva, reduzindo suas participações percentuais no gráfico da transmissão do HIV. Infelizmente, a contaminação vertical (mãe para filho na gravidez) está em ascendência. A prevalência percentual preocupante, atualmente, é a decorrente do uso de drogas injetáveis por meio do compartilhamento de seringas (e agulhas).
A compulsão pela droga tem superado quaisquer esforços dispendidos para a modificação desse comportamento contaminador. Dois segmentos da saúde pública convivem nessa interface. Abuso de drogas e Aids. Ambos usam estratégias próprias para minimizar o problema, todavia o destinatário da preocupação é o mesmo ser humano, vítima dos dois males.
Para reverter esse quadro, outros povos experimentaram intervir na relação paciente-droga, oferecendo, por permuta, uma seringa nova em troca de uma usada, atraindo o usuário para um programa de atenção terapêutica nos dois campos, drogas e Aids. Em Illinois (EUA), de 641 usuários de drogas injetáveis acompanhados, 86% deixaram de utilizar práticas não-recomendáveis no uso de seringas e agulhas, deixando de caminhar no sentido da contaminação e começando uma preocupação sadia, fundamental para o abandono do uso indevido de drogas.
No Brasil, comenta-se sobre "distribuição" de seringas como alternativa para o problema. A ação terapêutica de troca de seringas não pode se equiparada à distribuição. Ela compreende um trabalho de saúde pública, com profissionais da área médica atuando para reduzir os danos causados pelo comportamento referido, tanto no campo da Aids como do uso de drogas. Por esses motivos o Confen e o Conen/SP, não discordam da experiência que a área de saúde federal e estadual iniciam nesse campo.
Se dúvida da validade inexiste na área da saúde, obstáculos têm sido colocados pela área jurídica. A interpretação do artigo 12, da Lei 6.368, em especial a expressão "auxiliar alguém a usar...", tem levado juristas a considerarem a experiência pretendida como esse crime, apenado entre 3 e 15 anos de reclusão. A leitura acurada do dispositivo legal, porém, mostra a existência de um "elemento normativo do tipo", no caput do artigo que exige para a existência do crime, ato praticado "sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
Assim, estando o agente autorizado ou de acordo com determinação não cometerá crime e o fato será atípico, sem necessidade nem sequer de se discutir a anti-juridicidade. Ora, os atos de permuta de seringas em ação terapêutica são autorizados pelo próprio projeto sanitário que os criou, logo, ação autorizada. Se entretanto, assim não entenderem os exegetas do direito, basta uma portaria do Ministério da Saúde autorizando a prática dos

EDEMUR ERCILIO LUCHIARI, 54, é delegado de polícia assistente da Divisão de Prevenção e Educação do Departamento de Investigações sobre Narcóticos e secretário-geral do Conselho Estadual de Entorpecentes de SP.

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