São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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Produção inglesa humaniza monarquia

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Em artigo no caderno "Mais!", Renato Janine Ribeiro apontou a incorreção no título brasileiro deste filme. O correto seria falar de uma doença, localizada historicamente e clinicamente, que atingiu o rei George 3º da Inglaterra.
Mas, como ficou -"As Loucuras do Rei George"- não deixa de ter, na ingenuidade, certo fundamento. O filme apenas resvala a razão e desrazão de um monarca (que, de resto, tinha poder) do maior império colonial de sua época. Na verdade, coloca seu espectador às voltas com uma sucessão de atitudes infantis, mas a rigor inocentes (um pouco como o problema que atingiu em determinado momento Ulysses Guimarães, que não era presidente, mas personagem importantíssimo da República, no Brasil).
Tudo o que cerca o rei, ou quase, é dotado da mesma inocência. A começar pelos médicos, cujo saber não é visto como o possível da época, mas como algo de uma precariedade constrangedora.
Ao lado passam as disputas políticas, com as apaixonadas facções a favor e contra a destituição do rei vistas quase como formações levianas, tão destituídas de sentido quanto certas atitudes de George 3º.
O contraponto a essa situação é fornecido por um pastor, espécie de psicólogo "avant la lettre", que vai matar a charada envolvendo o rei. Isto é, trata-se de fornecer limites a alguém que, por definição, não conhece limites. Tratá-lo como ser humano, encará-lo, será a chave de seu tratamento.
"As Loucuras do Rei George" dialoga em linha direta com as recentes baixarias que têm afetado a casa de Windsor. É verdade que, nos dias de hoje, os problemas da monarquia são de outra ordem. Esvaziada, resta-lhe uma pompa que impõe uma série de deveres e oferece pouco em troca.
No recente caso Charles x Diana -que é o assunto não explicitado do filme- o que existe é um príncipe em situação inversa à de George. Sofre de todos os constrangimentos inerentes ao poder (e aos quais George se furta, pela loucura) sem, entretanto, usufruir dele.
George 3º era um rei. Charles é um símbolo, uma idéia: encarna a monarquia. Mas a monarquia britânica encarna exatamente o quê, hoje em dia?
Essa questão está no ar, embora "As Loucuras" não a toque. Pode-se dizer, mesmo, que é um filme feito para não tocá-la. A loucura do rei faz da monarquia uma instituição terrena, humanizada. Como se devêssemos pensar -vendo o filme- que reis são apenas seres humanos, dignos de complacência ou piedade como qualquer mortal.
Por fim, "As Loucuras" dá um simpático piscar de olhos aos EUA (que acabam de se declarar independentes na época do filme). Maneira de dizer que o império britânico do século 18 está prestes a se transformar numa relíquia. E também que a família (real ou não) agradece, penhorada, se der para descolar uma indicaçãozinha para o Oscar. A burguesia venceu, viva o Império.

Vídeo: As Loucuras do Rei George
Diretor: Nicholas Hytner
Elenco: Nigel Hawthorne, Ian Holm, Hellen Mirren
Distribuição: Paris Vídeo Filmes (tel. 011/864-3155)

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