São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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Reforma da Previdência, o barril de pólvora

PAULO PEREIRA DA SILVA

Os casos do "grampo" no Planalto, do Sivam, da pasta rosa e das facilidades oferecidas aos bancos, que provocaram convulsões no centro do poder, são crises menores diante do estopim no barril de pólvora que o governo e o Congresso Nacional acenderam: a reforma da Previdência Social.
Depois de meses de negociação o governo simplesmente descartou as propostas e alternativas oferecidas pelas centrais sindicais e está querendo impor um projeto que não vai resolver os problemas estruturais da Previdência, não melhora em nada a vida de milhões de aposentados e mantém privilégios descabidos. Pior ainda, quer acabar com o sagrado benefício a que tem direito o trabalhador comum, que é a aposentadoria por tempo de serviço.
A necessidade de uma profunda reforma da Previdência é a única que, até o momento, tem o consenso da nação. Todos a julgam urgente e inadiável, não só para garantir uma sobrevivência digna ao cidadão em sua velhice, como para evitar a falência de um sistema que, no caso do Brasil, é seguramente um dos mais caóticos e injustos do mundo.
Ninguém desconhece os verdadeiros responsáveis pelos déficits da Previdência: a incompetência do governo no gerenciamento e na administração dos recursos, a rapinagem dos cofres públicos perpetrada por quadrilhas organizadas ao longo dos anos, as fraudes, desvios e, sobretudo, as grandes distorções geradas pela existência de dois regimes diferentes. A reforma que o governo e o relator, deputado Euler Ribeiro, do PMDB, pretendem fazer não toca no fundo de nenhum desses problemas.
Uma das propostas sugeridas pela Força Sindical, destinada a tornar menos iníqua a Previdência, é a criação de um sistema único, universal, que reúna a totalidade dos trabalhadores brasileiros. Hoje, mais de 16 milhões de pessoas, aposentadas pelo INSS, têm direito a uma aposentadoria ridícula que, na média, está por volta de R$ 200, embora a grande maioria ganhe apenas R$ 100. Enquanto isso uma minoria está enquadrada em regimes especiais, aposenta-se mais cedo -os mais felizardos com até oito anos de batente- e veste o pijama com o salário integral da ativa -alguns mais privilegiados têm direito a um adicional, como os militares e os funcionários públicos federais.
Basta ver os números para se ter uma idéia da iniquidade gerada por esses dois sistemas: as aposentadorias pagas neste ano pelo INSS a 90% dos trabalhadores que trabalharam na iniciativa privada somam cerca de R$ 35 bilhões, a mesma quantia gasta pelos cofres públicos para sustentar os outros 10% de aposentados pelos regimes especiais.
Os parlamentares que estão querendo cassar a aposentadoria por tempo de serviço são os mais privilegiados: podem se aposentar após oito anos de mandato, têm direito a acumular aposentadorias e a garantia de dias tranquilos graças ao Instituto de Pensão dos Congressistas e a seus similares nos Estados, bancados pelos cofres públicos. Mas suas excelências, que têm direito a uma aposentadoria média de 36 salários mínimos, não estão dispostos a abrir mão dessa mamata e entrar, como todo trabalhador, para a fila do INSS.
Só para se ter uma idéia do descalabro, calcula-se que os cofres públicos pagam quase R$ 7 milhões mensais a cerca de 3.500 políticos aposentados, entre ex-presidentes, ex-governadores, deputados e senadores. Quantia suficiente para pagar 70 mil aposentados pelo INSS.
Ao propor o fim da aposentadoria por tempo de serviço, o governo e os parlamentares estão dizendo, literalmente, que 35 anos de trabalho não valem um ou dois salários mínimos mensais pagos pela Previdência e que, para fazer jus a essa "fortuna", o trabalhador terá de trabalhar mais alguns anos. A insensibilidade social do governo e dos parlamentares é espantosa. Não são os jornalistas, como afirmou recentemente um ministro, e sim o governo e o Congresso que parecem não ter um projeto de felicidade. Caso tivessem, não arriscariam tanto a enfrentar a ira de milhões de trabalhadores que não estão dispostos a relaxar diante de tal violência.
Se pretende reproduzir no Brasil o mesmo clima de revolta popular que convulsiona a França, o governo federal não poderia estar fazendo melhor. Lá, como aqui, se quer mexer com direitos de milhões de trabalhadores. O governo está cometendo os mesmos erros do primeiro-ministro Alain Juppé, que também pretende elevar o tempo necessário para a aposentadoria: recusou-se a negociar com os sindicatos, quer impor o projeto de forma autoritária e não consegue convencer os trabalhadores de que o fim de alguns benefícios será a salvação da lavoura. Curiosamente, tal como aqui, os parlamentares franceses também podem aposentar-se depois de oito anos de mandato.
Os trabalhadores querem um sistema previdenciário forte, racional e mais justo, que garanta uma aposentadoria mais tranquila e a paz social. O projeto que querem impor não torna a Previdência mais viável, aumenta a injustiça e intranquiliza os trabalhadores. Alguém precisa apagar o pavio.

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