São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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A cada um a sua parte

Quando necessária, ela é lenta e ineficiente. Quando a matéria não lhe diz respeito, ela pode ser extremamente infeliz e irresponsável. Fala-se aqui da Justiça brasileira, que, numa área com a qual muito pouco tem a ver, a saúde pública, já conseguiu suspender cinco programas de troca de seringas em SP.
Baseados na frágil interpretação de uma lei arcaica, membros do Judiciário vêm barrando iniciativas de tentar evitar que viciados em drogas injetáveis se contaminem com a Aids por meio de programas de troca de seringas, medida que vem sendo adotada em todo o mundo.
Com o mais amplo desconhecimento da epidemiologia do vício, alguns promotores e juízes parecem acreditar que é a seringa, e não a própria droga aliada à frágil bioquímica humana e a uma história de vida, que faz com que alguém seja ou não viciado.
Ainda que se argumente que o Estado não pode em hipótese nenhuma oferecer sua chancela, mesmo que tácita, ao vício, parece profundamente injusto fazer com que o dependente, cuja existência já é por si só um inferno, tenha de enfrentar também a terrível Aids.
Aliás, a lei pela lei, existe um outro diploma, o artigo 268 do Código Penal, que prevê detenção e multa para qualquer um que "infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".
Assim como não cabe aos médicos tomar decisões judiciais, não deveria caber a membros do Judiciário tomar decisões de caráter claramente sanitário e que em nada prejudicam a ordem jurídica estabelecida. A cada um a sua parte.

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