São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 1995
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Catarinenses criam pólo de "trash movie"

SILVIA QUEVEDO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FLORIANÓPOLIS

Uma pequena produtora de vídeo do interior de Santa Catarina está ganhando atenção dos adeptos nacionais do "trash movie" (literalmente, cinema lixo, em inglês). A Canibal Produções já vendeu mais de 1.500 cópias dos cinco títulos escatológicos e mórbidos que produziu desde 1993.
Os trabalhos de Petter Baiestorf, 21, dono da Canibal e diretor dos vídeos, causam espanto na pequena Palmitos (a 720km a oeste de Florianópolis), mas são acolhidos nas grandes cidades entre os apreciadores de um bom lixo cultural.
Os vídeos da Canibal são baratos e gravados com equipamento amador, resultando em fitas de baixa qualidade técnica, que são porém, bem aceitas por "trashmaníacos" de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e, mais recentemente, do Rio.
Baiestorf coleciona os clássicos do diretor norte-americano Ed Wood, considerado "pai" do "trash movie" (leia texto nesta página). "Ultimamente recorto o que aparece sobre os irmãos necrófilos do Rio. Penso em filmar isso em película; juro que quem investir vai ter retorno", afirmou o diretor.
Por enquanto, o amadorismo não fica só nos equipamentos. Técnicos e atores são recrutados entre amigos e tudo é feito na hora. O som é gravado direto e os atores atuam sem script. As gravações acontecem nos fins-de-semana porque todos têm outra ocupação.
Marcos Braun, 22, assistente de direção e ator na maioria dos vídeos, estuda teologia, mas se dispõe a largar a faculdade para dedicar-se à Canibal. "O curso não tem a ver comigo, mas no próximo semestre penso em dar aulas de religião para sobreviver".
Paradoxalmente, a igreja é um dos alvos prediletos das produções. Em "O Monstro Legume do Espaço", longa mais bem produzido e mais caro, chegando a R$ 1.500, um padre alterna sermões bíblicos com uso de cocaína e jogo de baralho.
A equipe, que tem dez integrantes fixos, não considera seu trabalho "um lixo". "Acho que fazemos algo simples por falta de estrutura. Lixo é a desigualdade social no Brasil, as pessoas passando fome. Isso sim é um lixo, que deveria ser removido", afirma Baiestorf.
Entretanto, para o videomaker, é da Canibal "o pior filme já feito na história da humanidade". "Criaturas Hediondas", que conta a chacina promovida por um marciano na Terra, custou R$ 50,00 e abre uma trilogia que deve se encerrar com uma terceira obra, cujas gravações estão previstas para janeiro.
Os R$ 50,00 gastos com Criaturas Hediondas foram usados para comprar fitas de vídeo e fabricar um pouco de sangue falso.
Equipe
Para fazer seus filmes, Baiestorf conta com uma equipe amadora, que o ajuda nos fins-de-semana. O maquiador, Leomar Wazlawick, 23, é pedreiro; Elson Tomiolli, 21, ator principal na maioria dos filmes, é gráfico; Suzana Manica, 23, que atua em "O Monstro Legume do Espaço", é costureira. O produtor Schulke é dono de uma mercearia.
Baiestorf acredita que os vídeos são um aprendizado e quer se profissionalizar. "Gostaria de fazer um filme bem feito, de arte ou político, por curiosidade. Mas continuaria com vídeos baratos, para os 'trashmaníacos'. Acho que está no sangue", afirmou.
Com a ajuda do amigo Walter Schulke, que foi diretor de produção do filme "Terra em Transe", de Glauber Rocha, Baiestorf viu a oportunidade de se aprimorar. "Ele ajudou a eliminar excessos, deu aquela esmerada que eu não sabia. Desde ângulos de filmagem até o controle de orçamento."
Para o videomaker, o cinema brasileiro precisa de mais estrutura, de produtores competentes, sem depender do governo. Ele cita "Carlota Joaquina" e "O Quatrilho" como casos isolados. "Ainda estamos longe de produzir 20 ou 30 filmes de qualidade por ano e participar de festivais fora do Brasil", declarou.
Após concluir os filmes, Baiestorf os divulga através de fanzines (publicações alternativas) de diversos Estados brasileiros.

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