São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 1995
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Roqueiros dos 80 procuram lugar nos 90

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No final dos anos 70, de alguma forma eles assumiram a rebeldia punk. E pilotaram, na década seguinte, a onda roqueira que dominou o mercado musical do país. Hoje, já trintões e mais reflexivos, eles voltam às lojas tentando definir seu lugar no cenário dos 90.
Os novos discos de Dinho Ouro Preto (ex-vocalista da banda Capital Inicial) e Renato Russo (ainda vocalista do Legião Urbana), medalhões do rock originário de Brasília, soam sintomáticos.
Assumindo que cansou de ser saco-de-pancada da crítica, Dinho largou os parceiros de dez anos e decidiu mudar. Aliás, seu primeiro álbum individual, "Dinho Ouro Preto" (Rock It!/Virgin), começa em tom de "mea culpa":
"Eu achava que era o crime perfeito /Eu tinha o mundo na palma da minha mão / Eu achava que eu tinha o direito /Orgulho com um ponto de exclamação / Maior, melhor /Se fosse um dia / Seria domingo", diz a letra de "Irresistível" (parceria do cantor com Alvin L, Mingau e M. Subotic).
Mais contido nos vocais, deixando de lado os refrões tatibitates do Capital Inicial, Dinho encontrou na produção de Mitar Subotic um forte aliado para sua mudança.
Com o auxílio de samplers e outros recursos digitais, as 11 faixas do CD do cantor exibem um rock com injeções "dance", colorações folk e percussões eletrônicas. Não é uma guinada de 90 graus, mas já pode ser um começo.
Mais radical foi Renato Russo. Depois de gravar um disco em inglês ("Stonewall Celebration"), no seu segundo álbum solo o vocalista do Legião resolve flertar com o pop romântico italiano.
Entre vários melaços do gênero, o CD "Equilíbrio Distante" (EMI) inclui quatro canções do repertório da cantora Laura Pausini, a nova sensação do pop italiano. Sem falar na versão de "Como Uma Onda" (de Lulu Santos, Nelson Motta e Massimiliano de Tomassi), em ritmo de bossa-nova.
O mais curioso é que o ex-punk de Brasília está completamente à vontade, cantando como nunca. Como um tardio Pepino di Capri, Renato -cujo sobrenome verdadeiro é Manfredini, de origem italiana- solta seu vozeirão sem medo de soar brega. Como se vê, a maturidade prepara surpresas.
Mudanças aparentes também ocorreram nos Engenheiros do Hawaii. O trio de roqueiros gaúchos virou quinteto, após a tumultuada saída de Augusto Licks e a chegada dos guitarristas Fernando Deluqui (ex-RPM), Ricardo Horn e do tecladista Paolo Casarim.
O problema do álbum "Simples de Coração" (BMG) é que, apesar do consistente reforço instrumental, as letras de Humberto Gessinger continuam repetindo as filosofices auto-referentes de sempre.
"Tu me encontrastes de mãos vazias /Eu te encontrei na contramão /Na hora exata, na encruzilhada, na highway da superinformação /Estamos tão ligados, já não temos o que temer", diz a "inspirada" letra de "A Promessa". É mole?
Amadurecer também implica em reavaliações. Foi o que fizeram os Titãs no novo "Domingo" (WEA). Após a radicalização pesada de "Titanomaquia", a banda paulista decide fazer as pazes com sua variedade pop dos anos 80, sem negar o som "heavy".
Rocks básicos recheados de guitarras se misturam a composições mais pesadas, apoiando as letras simples, diretas e irônicas que sempre caracterizaram os Titãs.
"Tudo em Dia", faixa que marca a reaproximação de Arnaldo Antunes com os antigos parceiros, fala justamente de amadurecer: "Vou ser respeitado, vou engraxar o sapato /Vou botar o chinelo, vou sentar na poltrona /Vou jantar na melhor churrascaria."
Há também os que se apegam à nostalgia dos velhos tempos. Esse parece ser o caso do Ira!, que está lançando seu sétimo álbum, agora pelo selo Paradoxx.
Além de um acid rock à Led Zeppelin ("Na Minha Mente") e versões de "The House of Rising Sun" (hit dos Animals) e até, acredite, de Roberto Carlos ("Não Serve Pra Mim"), o Ira! resgata "Me Perco Nesse Tempo", da banda pós-punk Mercenárias.
"Às vezes sinto que tenho que mudar /Sinto que o tempo sempre quis me devorar /Me perco nesse tempo", diz a letra. Reconhecer estar perdido, não deixa de ser o primeiro passo para a saída.

Discos: Dinho Ouro Preto (Rock It!/Virgin); Equilíbrio Distante (Renato Russo, EMI); Simples de Coração (Engenheiros do Hawaii, BMG); Domingo (Titãs, WEA); Ira! (Paradoxx)
Quanto: R$ 20 (o CD, em média)

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