São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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Urso na corda bamba

ANTONIO KANDIR

Embora relativamente previsíveis, os resultados da eleição parlamentar na Rússia têm provocado apreensão. Teme-se que haja volta ao passado. Não existe esse risco, o que não representa uma previsão necessariamente otimista.
As transições de economias socialistas para economias de mercado têm produzido custos sociais bastante elevados em quase todos os países. Na Rússia, mais ainda, resultando numa situação social com fortes traços de desagregação.
O paradoxo dessas transições é que a democracia política vem junto com as reformas de mercado e, quando os custos sociais mostram-se muito elevados, acabam por colocá-las em xeque. Quando isso ocorre, a questão não é saber se haverá volta ao passado.
O retorno é uma impossibilidade histórica e a implantação de uma economia de mercado nos moldes liberais está longe de ser uma fatalidade. A questão, portanto, é saber que tipo de mercado e que tipo de Estado podem surgir.
Dessa perspectiva, o temor real em relação à Rússia é de haver crescente irracionalidade de militarização do poder político, o que pode vir a produzir resultados quem sabe piores que o socialismo. Não há o mesmo risco, por exemplo, na Polônia e na Hungria.
É que, na Rússia, não só são maiores a desarticulação do sistema econômico e os custos sociais, como também tem peso importante a perda de um poder imperial exercido no passado não tão distante. É a combinação desses elementos que empresta expressão política real a um personagem patológico como Jirinovski.
Os meses até julho de 1996, quando se elegerá o novo presidente, serão decisivos. Embora o sistema político seja hiperpresidencialista, há risco de paralisia decisória, por conta de obstruções parlamentares lideradas pelos comunistas, seus aliados do partido agrário e ultranacionalistas, tanto mais em vista do precário estado de saúde de Boris Yeltsin.
O desfecho desse drama de alta incerteza política parece depender fundamentalmente da união de todos os partidos pró-reformas e das relações que estabelecerem com os comunistas. Ironicamente, estes serão o fiel da balança. Apostarão na aliança tática com os ultranacionalistas, com o risco de alimentar Jirinovski e Cia. Ltda., ou haverá espaço para algum tipo de composição com os reformistas?
A necessidade eventual de composição talvez soe ultrajante aos ouvidos de quem imaginou uma transição "limpa e bem-comportada". Haverá quem diga que não está sendo assim por falta de "políticas certas". Tudo bem, cada qual nutre a ilusão de sua preferência. O certo é que os mais bem controlados experimentos produzem resultados imprevistos. Por que imaginar que fosse diferente com processos sociais complexos?

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