São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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O presente que o Brasil ganhou

ALOYSIO BIONDI

Nada de Plano Real, nem de "reformas". A principal -e histórica- mudança ocorrida no país em 1995 não foi plenamente percebida pela opinião pública, nem por quem deveria formá-la. Eis o avanço: finalmente começa a ser abalada a ditadura que poderosos grupos de interesses impõem ao país há décadas, com a ajuda de governantes e lideranças setoriais.
O Brasil está entrando na era da operação "mãos limpas", do combate não apenas à corrupção ostensiva, mas também de decisões de política econômica que roubam bilhões de reais dos cofres públicos, isto é, da população como um todo, e os encaminham sempre para os mesmos bolsos dos mesmos grupos dominantes.
Essa nova tendência está claramente revelada nos chamados "escândalos" do Sivam e do Banco Econômico. Pela primeira vez na história recente do país, o governo, as lideranças políticas e as lideranças empresariais não conseguiram "abafar", impedir o prosseguimento de investigações, sobre o mar de negócios especiais feitos à custa da Nação, da classe média e do povão.
Alto lá, dirá alguém. Afinal, e as CPIs do Orçamento e do caso PC Farias? Não contam? Nos dois casos, motivos políticos e pressão da opinião pública levaram à formação da CPI. No caso do Econômico e do Sivam, os velhos acordos entre a Presidência da República e as lideranças políticas impediram a formação de CPIs, exatamente para bloquear investigações. Mas -esta a novidade- o governo e seus eternos aliados-cúmplices não conseguiram silenciar o Ministério Público.
O Brasil está sendo palco de uma rebelião dos procuradores (nada mais são do que "advogados" que defendem a sociedade dos desmandos de governantes, como ocorreu na Itália, com seus promotores públicos).
Um presente para o brasileiro: governantes e elites agora têm um adversário, que não participa de "operações abafa", as verdadeiras responsáveis pela crise permanente em que o Brasil vive.
O papel decisivo do Ministério Público nos casos Sivam e Econômico não ganhou o destaque devido. A cobertura da imprensa tem achado mais emocionante dar destaque às brigas (aparentes, pois sempre terminam em acordos...) entre FHC e ACM, ou à responsabilidade por "vazamentos" etc. Alguns, muitos incríveis, foram repisados para a opinião pública, confundindo tudo.
Quem encobriu - Tanto no caso Sivam quanto no Econômico, o próprio presidente FHC e lideranças políticas impediram a CPI.
Caso Sivam - O procurador-geral da República é primo do vice-presidente Marco Maciel, e foi nomeado por FHC ignorando os votos dos procuradores. Ele havia negado a abertura de inquérito sobre o Sivam. Oito procuradores se rebelaram, há duas semanas, e tomaram a iniciativa. Assim, a "operação abafa" falhou.
Econômico - Em entrevista a esta Folha, dia 13/12, uma subprocuradora da República fazia revelações e denúncias. Revelava que ela e um procurador haviam solicitado toda a documentação ao Banco Central sobre a quebra do Econômico, para apurar privilégios concedidos pelo BC, além de sonegação, remessas de dólares etc. A documentação -inclusive a célebre pasta rosa- foi encaminhada pelo BC ao procurador-geral da República, há dois meses. Mas ele não a repassou aos procuradores, engavetando-a.
O procurador-geral (nomeado por FHC) somente solicitou a abertura de inquéritos no caso econômico após advertido de que os procuradores tomariam providências contra sua omissão.
Esses são os fatos. As "operações abafa" foram derrotadas pelos procuradores do Ministério Público. É surpreendente que se atribua os episódios Sivam e Econômico à "falta de comando" do presidente da República.
Que comando? A capacidade de fazer acordos para abafar a revelação de crimes contra os interesses da sociedade, e punição dos culpados? Bem que o presidente FHC tentou, como sempre. Conseguiu no Congresso. Mas foi impedido pelo Ministério Público. Há uma mudança histórica em marcha.

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