São Paulo, sexta-feira, 29 de dezembro de 1995
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John Ford mostra os artifícios da solidão

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O diretor franco-suíço Jean-Luc Godard costuma contar que não consegue conter as lágrimas todas às vezes que assiste a "Rastros de Ódio" (Globo, 3h25).
Um choro que tem como motivação não a tristeza, e tampouco a alegria, mas que é fruto de uma pergunta: como é possível haver tanta genialidade em John Ford?
Poucas vezes a palavra gênio se adequou tão perfeitamente a um cineasta. E "Rastros" funciona como o exemplo máximo dessa genialidade.
Se Ford havia delimitado o território de um gênero cinematográfico nos anos 30 -o "western"- com "No Tempo das Diligências", com "Rastros" o caubói abandona a história e encontra a pura mitologia, que, como tal, tem sempre presente a tragédia.
Ainda no período da batalha dos brancos contra os índios na América, uma família é praticamente dizimada por uma tribo. Resta apenas uma menina, Lucy, criada entre seus raptores.
Há um outro que chega de longe e erra no deserto durante anos a fim de encontrá-la. É Ethan Edwards, seu tio, que tem como única lembrança sua pequena boneca.
O que assistimos é a essa procura, a caçada de um homem que pretende, a todo custo, resgatar alguém para a civilidade, se aceitarmos sua idéia de que os índios são a mais pura e cruel selvageria.
E como este é um filme de John Ford, tudo se expande em sua complexidade. Ethan realiza sua procura não por amor à sobrinha, e sim pelo ódio por seus raptores.
Obsessão, tristeza e melancolia são as motivações desse personagem que é ao mesmo tempo Ulisses e Penélope, pois procura ao mesmo tempo que espera, com paciência, que a tarefa seja de alguma forma cumprida. O filme definitivo sobre a solidão e seus artifícios.

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