São Paulo, sexta-feira, 29 de dezembro de 1995
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Biombo tolo

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - É inacreditável a capacidade que o político brasileiro revela de escapar de definições claras e límpidas. O mais recente exemplo vem das tentativas de se impor a desincompatibilização de prefeitos, governadores e presidente quando quiserem candidatar-se à reeleição.
É uma enorme bobagem, sob qualquer ângulo que se olhe. Primeiro, porque julga todos eles suspeitos (no caso, de uso da máquina em favor da própria candidatura) antes que tenham qualquer chance de justificar ou não a suspeita.
Por isso, sugere-se que deixem o posto para não ficarem com a máquina na mão. Besteira da grossa. Nada impede que o vice, entronizado no cargo com a desincompatibilização do titular, use descarada e desbragadamente a máquina.
Todos os governos, aliás, o fazem, aqui como no exterior. Ou, por acaso, Itamar Franco, que não era candidato, não trabalhou em favor de seu candidato, Fernando Henrique Cardoso?
De mais a mais, o uso da máquina, ao contrário do que parece ser uma crença dogmática no mundo político, nem remotamente garante a eleição do beneficiário. Se garantisse, a Arena seria até hoje o maior partido político do país, pois chegou a ter a grande maioria dos cargos executivos em todos os níveis.
No fundo, a tese do uso da máquina embute o raciocínio de que o eleitor é um perfeito idiota e, portanto, facilmente manipulável por estruturas administrativas. Pode até ser que, em alguns recantos do fundão do Brasil, essa tese ainda seja válida.
Mas, na maior parte do país, é tolice. Basta verificar-se que é muito maior a porcentagem de vitórias de opositores aos governos de turno do que o inverso.
De resto, é só parar para pensar um pouquinho. Imaginemos que não passe a reeleição ou que FHC não queira ser candidato e indique, digamos, Sérgio Motta, o primeiro-amigo, para disputar a eleição de 1998.
Alguém acha que o presidente cruzaria os braços e deixaria o seu candidato órfão? Só se for muito burro, porque o julgamento eleitoral será de sua administração, seja ele próprio o candidato ou um amigo ou um correligionário.
Reeleição é saudável sob todos os pontos de vista e, por isso, não deveria precisar de biombos para ser aprovada.

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