São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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O réu

RICARDO SEMLER

Na capa de uma das recentes revistas da Fiesp estava o jovem e brilhante professor Eduardo Giannetti da Fonseca. A frase era do tipo "Professor de Ética Absolve os Empresários". Li com desconfiança. Com certeza havia civilidade britânica, aprendida em Cambridge, para amenizar o recado.
Mas o argumento da entrevista iluminada era o seguinte: a inflação causou uma zorra desgraçada, e no bolo o empresário ficou com cara de Raul Pellegrini. Sei, sei.
A tese parece corroborada por uma pesquisa recente da Standard que diz que a imagem do empresário, antes abaixo de traseiro de cobra (elas o têm?), havia se recuperado. Claro que bombeiros, carteiros e igreja estavam lá no alto do ranking, e polícia e partidos por debaixo dos ofídios.
Ou seja, baixou a fumaça da inflação, surge retinto o empresário honesto e patriota? Ai que imagem linda, Athayde Patreze (o santo misericordioso do empresário que paga impostos, gera empregos e anda de iate no Guarujá).
Simplesmente um luxo (confesso que é o único programa que assisto de cabo a rabo —é espetacular e fiel retrato das elites brasileiras, não percam).
Agora, o empresário fica vulnerável aos chamados da sociedade, concordatária. A Secretaria de Cultura os nomeia salvadores da massa falida. O mesmo acontece com hospitais, asilos, mostras de arte e até escolas públicas. E cria um paradoxo irresponsável.
O empresário, através das últimas décadas, criou um país de grande fosso social. Enriqueceu-se numa economia protegida, nomeou os governantes, financiou grande parte das bandalheiras e manteve a remuneração dos trabalhadores num patamar indigno.
Mas foi um setor que soube aproveitar oportunidades, trabalhou muito, usou de grande criatividade e gerou um padrão sofisticado de executivos. Sua má imagem não se deve só à inflação e à desorganização social. Aliás estes fatores são resultado das políticas autocentradas dos próprios empresários. Que não abdicam de idolatrar os espertos. É assim que as votações de líderes emmpresariais apontam para Odebrecht e Roberto Marinho como perfis desejáveis de um lado, e Kapazes e Rolim Amaros do outro.
Agora cresce a idéia de que o empresário deve se mostrar preocupado com o social. Balela. É um grave erro. Se sobrarem tempo e recursos do empresário, e se o coração mandar que se dedique a causas sociais ou culturais, ótimo.
Mas a empresa não tem vocação, obrigação ou papel nas questões de Estado e cultura. Tem, isso sim, que ganhar dinheiro, talvez distribuir parte para os que participaram do processo de lucro, reinvestir, e empreender.
O resto é papel do Estado, com ajuda de pessoas ricas (empresários, por que não) que sintam que têm uma dívida com o fosso social. Misturar as duas coisas é subdesenvolvimento intelectual e vergonha de assumir que o lucro é fundamental numa sociedade capitalista.
Tentar reverter a imagem negativa através da caridade, postura pró-meio ambiente ou socialconstrutivista mescla ainda mais os obscuros papéis. Não há absolvição pelo passado —são os empresários e suas decorrentes elites os culpados pelo fracasso social do Brasil, mas também os responsáveis por uma economia potencialmente viçosa, avançada e sólida. Vamos ser realistas e ganhar dinheiro, sem vergonha, sem exploração e sem muita sacanagem —o Brasil saberá fazer o resto.

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