São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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"Centrão" quer juntar os moderados

EMANUEL NERI; AMÉRICO MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

O processo de refiliação dos militantes do PT é o primeiro passo da "Unidade e Luta", corrente que abriga a maioria dos fundadores da legenda, para retomar o controle partidário.
A refiliação, que começa no dia 10, aniversário do PT, terá atenção especial dos moderados petistas. Com maior número de filiados que o atual, o centro petista acredita que controlará o partido com mais facilidade.
O segundo pilar da estratégia dos moderados é recompor o centro do partido com os antigos aliados que se uniram à esquerda. Um racha na HV, "Hora da Verdade", que faz parte da esquerda, facilitará essa tarefa.
Está praticamente definido que o grupo de Rui Falcão, presidente interino do PT, se desliga da HV para se juntar aos moderados, liderados por Lula. Os adversários batizaram a união de "Centrão".
A formação do "Centrão" será fundamental para desalojar a esquerda que controla o PT nos últimos dois anos. Lula terá papel importante nessa tarefa.
O ex-deputado federal Aloizio Mercadante (SP) elaborou um projeto de reformulação do PT, que também poderá ajudar o centro a se fortalecer. As propostas de Mercadante são:
1) eleição direta entre todos os militantes para a escolha da direção partidária; 2) criação de conselhos consultivos na direção para elaborar propostas dos vários setores da sociedade pouco representados no PT —como negros, mulheres etc; 3) criação da escola da cidadania e 4) criação de um instituto de pesquisas para estudar políticas públicas.
A escola da cidadania, por exemplo, teria a função de aumentar o diálogo do partido com a sociedade. Vários líderes partidários passariam determinados períodos no interior do país ou em segmentos específicos, como as favelas.
Segundo Mercadante, as escolas serviriam para que os petistas tivessem um contato maior com a realidade da base social do Brasil e formassem líderes locais ligados ao partido. A idéia surgiu com as caravanas da cidadania.
Todas essas ações que mostram a intenção dos moderados de retomar o controle do PT fazem parte de um plano maior, que é a mudança do perfil do partido.
"A sociedade está rejeitando esta coisa pequena e sectária", diz o ex-deputado José Dirceu, da corrente moderada. "Tem hoje uma maioria no PT que não vai permitir a política dos últimos dois anos".
Marco Aurélio Garcia, da direção petista, também defende a limpeza no interior do partido. "Como pensar o funcionamento do partido se o conflito está instalado na base?", pergunta.
Para Garcia, a luta interna é um "fator paralisador" do partido. "O PT precisa de arejamento, flexibilização e de modernização de sua administração".
Por arejamento e flexibilização entenda-se um novo comportamento do PT para quebrar resistências de determinados setores da sociedade.
"O PT tem futuro de crescimento na medida em que consiga dialogar com o eleitorado de centro", diz o cientista político André Singer. "A partir de um determinado momento, tem que se apresentar como alternativa".
Gilberto de Carvalho, secretário-geral do PT, chama esse processo de "projeto de abertura" do partido. "Essa abertura não é a domesticação do PT. Não é a aceitação do neoliberalismo", afirma. Para Carvalho, o PT tem que "mudar a disposição de diálogo" com outros setores da sociedade.
O próprio Rui Falcão reconhece a necessidade de sacudir o PT. "É o momento de esgotamento de um ciclo. Temos hoje uma utopia em baixa", diz. "Buscamos o socialismo. Mas as referências históricas desapareceram".
(EN e AM)

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