São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Lula quer fim das tendências no partido

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Luiz Inácio Lula da Silva quer acabar com as tendências internas que hoje dividem o PT em vários grupos burocráticos e ideológicos. "Sou defensor da tese de que a gente deve caminhar para acabar com as correntes no partido", disse Lula em debate realizado na Folha na última terça-feira.
"Pelo Brasil inteiro a coisa que eu mais tenho ouvido são pessoas pedindo para que a gente abra porque não têm mais saco para as disputas internas do PT. Eu também não tenho mais paciência para isso e estou tentando convencer os companheiros a agir assim", sustentou Lula, candidato do PT derrotado na última eleição presidencial.
O debate, realizado para discutir os problemas e desafios do PT no momento em que se completam 15 anos de sua fundação, contou com a presença de mais quatro petistas: o governador do Espírito Santo, Vitor Buaiz, o prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, o presidente em exercício do partido, deputado estadual Rui Falcão (SP), e a vice-governadora do Distrito Federal, Arlete Sampaio.
A mediação foi feita por Otávio Dias, coordenador de Artigos e Eventos da Folha.
"Eu confesso que não tenho mais saco para a cada reunião do PT fazer antes a reunião com cada tendência, de onde às vezes surgem mais outras tendências", disse Lula.
A crítica ao processo de paralisia decisória e burocratização interna que hoje contaminam o PT atinge frontalmente Rui Falcão, líder da corrente Hora da Verdade, que é influente dentro da máquina do partido mas tem baixa representatividade eleitoral. Falcão não se pronunciou sobre o tema durante o debate.
O prefeito Tarso Genro, hoje uma liderança nacional emergente da corrente Democracia Radical, vista com a mais moderada do partido, elogiou a posição de Lula.
É preciso desbloquear esse relacionamento entre as tendências. O Lula teve uma sensibilidade muito fina e muito acurada quando colocou essa questão do recadastramento dos filiados como ponto de partida para uma nova relação partidária. O PT pretende fazer a partir do próximo dia 10 o recadastramento de seus membros.
Ficou patente ao longo do encontro que as disputas internas protagonizadas pelas tendências estão longe do fim no PT.
Falcão e Tarso trocaram farpas e expuseram divergências a respeito de temas de natureza ampla, como a adesão ou não do PT a um projeto de sociedade socialista (leia reportagem ao lado).
Falcão chegou a ironizar os que acusam o PT de viver hoje uma crise de identidade. "O PT chega aos seus 15 anos com anúncios sucessivos de crise e de prognósticos de difícil viabilização. Desde o nosso nascedouro tem sido essa a tônica com que a mídia e setores da sociedade recebem o PT".

Reforma constitucional
Lula aproveitou o debate para criticar as privatizações, atacar a reforma da Constituição proposta pelo governo e defender a estabilidade do funcionalismo público.
"Quem é que criou este Estado que temos hoje?", perguntou Lula. "Não foi o PT. Ele começa a vir de Getúlio Vargas e se fortalece muito no regime militar, que, me parece, não tinha ninguém de esquerda. Eram todos representantes da mesma classe que hoje quer acabar com o Estado. É preciso deixar essas coisas claras porque senão ficam dizendo que a solução do mundo agora é a revisão constitucional, como se o Brasil antes da Constituição de 88 fosse um paraíso", respondeu ele próprio.
Segundo Lula, o PT não aceita a tese de que os investimentos estrangeiros não vêm para o Brasil por impedimentos constitucionais.
"É mentira que o capital estrangeiro não vem para o Brasil por causa da Constituição. Capital estrangeiro não tem medo do Brasil e nem da nossa Constituição. Eles estão especulando adoidado. Pararam agora por causa da porrada no México. O capital é covarde. Só vai onde ganha", disse o líder petista, arrancando aplausos da platéia, formada na maioria por militantes do partido.
No seu momento de maior exaltação, Lula ironizou o processo de privatizações. "Querem privatizar a Telebrás. Porque eles não socializam a Rede Globo para a gente ter um pouquinho de direito lá?"

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