São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Possíveis consequências da crise mexicana no Brasil

ADROALDO MOURA DA SILVA

A extensão da crise no Brasil não vai além dos pregões das Bolsas de Valores
A crise financeira mexicana é grave e provocou, como consequência, pesadas quedas, entre outras, nas Bolsas de Valores na Argentina, no Chile e no Brasil.
Teme-se que a brusca desvalorização do peso mexicano se repita nestas economias e também produza severos prejuízos recessivos.
Poderia, pois, colocar em risco o possível sucesso da abertura econômica e da política de estabilização em curso no Brasil.
Há, contudo, uma enorme dose de pessimismo em relação à extensão desse "efeito dominó". No Brasil, sua extensão não vai além dos pregões das Bolsas de Valores.
É falsa a pregação de que a presente política cambial e de abertura comercial reproduzirão a crise mexicana no Brasil. A coisa não é bem assim, senão vejamos.
Vamos aos fatos, pois:

Desequilíbrio entre
investimento e poupança
A extensão do desequilíbrio mexicano vem se acumulando há anos, até se traduzir em registros de déficit de transações correntes da ordem de 10% do PIB em 1994.
Isto significa dizer que algo como metade do total de investimentos na economia mexicana foi financiado em 94 por recursos externos de origem especulativa: o chamado "smart money".
A brusca saída deste "smart money" deve provocar queda na expansão da capacidade produtiva e nos níveis de emprego e renda real dos mexicanos.
No Brasil, a coisa é muito diferente. Tanto em 93 quanto em 94, o déficit de transações correntes no balanço de pagamentos é quase nulo.
Todo afluxo de fundos externos se transformou em acumulação de reservas internacionais, gerando tensões na política monetária, ampliando a dívida pública e valorizando a taxa de câmbio real.
Ademais, produziu enorme alegria no mercado bursátil. A formação bruta de capital, pois, foi inteiramente financiada pela poupança interna.
Aqui, ao contrário do ocorrido no México, uma possível saída de fundos deve pois desencadear queda nos preços das ações negociadas em Bolsas de Valores, estancar a valorização do real e ajudar a condução da política monetária contracionista.
Ou seja, pouco afeta o ritmo de atividade interna, por sinal superaquecida.
Postergação do ajuste cambial
Déficit crescente nas contas correntes mexicanas associado à acumulação de reservas internacionais determinou, coadjuvado por motivações políticas, a procrastinação do requerido ajuste da taxa de câmbio, a exemplo do que ocorreu no Brasil no final de 82.
A desvalorização tardia gerou, assim, enormes perdas e amedrontou o investidor externo que, "mutatis mutandi", logo imaginou que a coisa se repetiria na Argentina e no Brasil.
Aqui, contudo, a coisa também é diferente. Primeiro, não há nada de sagrado quanto à taxa de câmbio. É mais flexível que a do México e há também outros instrumentos de estímulos à exportação, a exemplo de flexibilização dos adiantamentos de contrato de câmbio por conta de exportações futuras.
A coisa só ficará grave se os atuais formuladores de política econômica insistirem em manter a moeda nacional supervalorizada, além de insistir em "exportar" tributos.
Não há nenhuma razão para se acreditar que esta lógica perversa presida a condução da política econômica no Brasil.
Segundo, o déficit de transações correntes hoje no Brasil está longe de oferecer algum risco. Não há um desequilíbrio grave entre poupança e investimento internos.
Nosso problema grave é a desorganização administrativa e estrutural da ação pública, muito além da simples e numérica ilustração dada pelo déficit público.
A valorização cambial recente pode ser revertida sem grandes danos antes mesmo que se acumule déficits expressivos em conta corrente com o resto do mundo.
Não estamos diante de um choque real, a exemplo do que ocorreu com o petróleo em 73 e 79, nem acumulamos déficits de modo a transformar em crise de produto e emprego um eventual deslocamento para fora do país de ativos de curto prazo.
É evidente que o "alerta mexicano" é pertinente para uma reavalização de nossa política de curto prazo, mas estamos longe das condições que produziram a crise da dívida em fins dos anos 70.
Eliminar compulsórios sobre financiamentos de exportações e importações, reduzir ou eliminar os tributos que incidem sobre o ingresso de fundos externos e evitar valorização da taxa real de câmbio ou até permitir uma taxa mais agressiva do real em relação ao dólar são medidas de bom senso que este "alerta" impõe à economia brasileira hoje.
Os dados deficitários da balança comercial a partir de novembro último ampliam mais ainda a urgência destes ajustes.
Por fim, é bom lembrar que o fundamento último da estabilização de preços e salários reside na restrição fiscal e não na valorização persistente da taxa de câmbio.
Uma possível crise na economia brasileira não precisa ter origem no acidente mexicano de dezembro último; poderá, sim, estar localizada na incapacidade política interna de flexibilizar a política cambial e de implementar um projeto adequado para a ação pública, imobilizada pela indefinição de nosso regime fiscal e monetário há décadas.
A pujança da economia brasileira hoje é independente de recursos externos especulativos e está, primordialmente, atrelada ao fracasso ou sucesso do projeto de se revitalizar a saúde financeira do setor público, de modo a promover a expansão da infra-estrutura econômica e social do país.

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