São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Por que o governo evita desvalorizar o real

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

A questão central da economia brasileira hoje é a seguinte: desvalorizar ou não o real.
Decisão difícil porque a desvalorização, se ajuda as exportações e dá proteção à indústria local, tem duas consequências graves: a imediata alta da inflação e uma saída de capitais de proporção imprevisível.
Toda política econômica tem esse toma lá-dá cá, ou, como dizem os economistas, um "trade-off". Que quer dizer mais ou menos o seguinte: arruma de um lado, estraga de outro.
Desde setembro o Banco Central mantem o dólar comercial numa "banda" de variação de R$ 0,84 a R$ 0,86. Valorizar o câmbio, neste momento, seria levar a cotação à paridade US$ 1 igual a R$ 1, como têm sugerido diversos setores. Seria uma desvalorização do real em torno de 17%.
Isso traria um ganho imediato para os exportadores brasileiros. Cada dólar exportado daria um adicional de R$ 0,15. Os exportadores teriam margem para melhorar sua lucratividade e ainda poderiam utilizar parte do ganho para reduzir o preço em dólar. Isso tornaria o seu produto mais competitivo.
Os exportadores hoje reclamam que, com o dólar barato, estão diante do dilema de receber poucos reais pelo seu produto, e fazer prejuízo, ou aumentar o preço em dólar, e perder mercado.
Mas se resolve esse dilema, a desvalorização do real encarece imediatamente todas as importações nos mesmos 17%. E a primeira consequência é a redução no volume de importações.
A razão é simples: mais caros, muitos importados perderão capacidade de competição com os nacionais.
Esse duplo efeito, mais exportação e menos importação, é justamente o objetivo básico da proposta de desvalorização do real.
O exemplo a favor dessa tese é o México, que vinha de pesados déficits comerciais nos últimos sete anos.

Inflação
O problema, entretanto, é saber quanto de inflação adicional haveria com a desvalorização do real. Tudo indica que seria um custo elevado.
É que não sobem apenas os preços dos produtos importados. Sobe também tudo que tem componente importado, como o combustível. E sobem os preços dos produtos nacionais que competem com os importados.
Este é o efeito mais grave. A inflação desabou no país por causa da importação. Basta observar os índices.
O preço da comida varia muito. Já os itens serviços e aluguel sobem sempre acima da média. Exatamente porque não há aí possibilidade de importação.
Já os preços de produtos industriais no atacado têm sofrido inflação muito baixa ou deflação. Não por acaso, é a indústria que está mais exposta à concorrência dos importados.
Em resumo, a abertura da economia e o dólar barato constituem a parte essencial do Plano Real neste momento.
Desvalorizar o real seria uma mudança de prioridade no plano. E considerada a cultura brasileira de indexação, é grande o risco de que se restabeleça a ciranda inflacionária.

Perdas
É semelhante o problema com a saída de investimentos estrangeiros. É certo que haverá saída, mas não se sabe quando pára e nem se a desvalorização do real fica no nível inicial.
Desvalorizado o real, todo investidor estrangeiro tem uma perda imediata. Ele terá vendido o dólar a R$ 0,85, para entrar, e terá que pagar R$ 1,00 para sair. Seria o segundo prejuízo que um país latino-americano aplicaria num curto tempo.
Ocorre ainda que, feita uma pequena desvalorização, ninguém mais acredita que seja a única.
Os investidores começam então a retirar seu dinheiro, a vender reais e comprar dólares para remeter de volta a seus países. Isso desvaloriza ainda mais o real e come as reservas do Banco Central, obrigado a vender seus dólares. Como aconteceu no México.
Resumo geral: a desvalorização do real neste momento produz resultados positivos previsíveis, mas também riscos de difícil avaliação. Essa é a escolha que se apresenta ao governo FHC.

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