São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por desmazelo, não teremos futebol hoje

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Revendo papéis antigos, como no verso úmido de sereno, reencontrei-me com um papo impresso travado há exatos 20 anos com Pedro Rocha, que ninguém menos do que Pelé considerava, na época, um dos cinco maiores atacantes do mundo. Aliás, num mundo povoado de atacantes. Nada mais atual: era dom Pedro reclamando contra a qualidade dos campos de futebol no Brasil. Impossível matar-se uma bola com categoria, fazê-la rolar certeira em direção ao companheiro, em gramados esburacados e mal-cuidados como os nossos. Isso, segundo o mestre, um dos mais clássicos armadores da história e tão agudo nas finalizações que trouxe do Uruguai o apelido de "El Verdugo", enfim, reduzia drasticamente a velocidade do nosso futebol, cadenciando-o ao ponto de provocar largos bocejos nas arquibancadas.
É bem verdade que, naquele tempo, pelo menos, o torcedor podia puxar uma soneca no estádio, sem medo de acordar lá embaixo, embolado com jogadores e bola, no gramado esburacado; ou pior —lá em cima, no céu.
Mas, se recuarmos no tempo ainda mais, veremos que esse mal parece atávico no nosso futebol. Antes do Morumbi, em plena era do Pacaembu, era comum —sobretudo nestas épocas de chuva— assistirmos a verdadeiras partidas de pólo-aquático jogado com os pés. Um dos jogos mais empolgantes foi aquele célebre Palmeiras 7, Santos 6, ou vice-versa, no fim dos anos 50. Ou, então, os 7 a 3 que a Portuguesa de 51 impingiu no Corinthians, num Pacaembu alagado.
Na verdade, nunca demos o trato devido ao campo de jogo. Digo nunca, mas corrijo com o devido ceticismo, pois Mário Filho assegura, no seu livro "O Negro no Futebol Brasileiro", que o "field" do Bangu, em Moça Bonita, grama estendida como um tapete pelos ingleses da fábrica de tecidos, mais para os praticantes do britânico cricket do que para o futebol, era um veludo.
Mas isso é pra inglês ver. Brasileiro, que tanto ama o futebol rebuscado, cheio de firulas, com tiques de jogador de sinuca, jamais deu bola para os gramados.
Aliás, quando jogamos a primeira em Wembley —creio que em 56—, Didi, mestre nos passes de efeito, na condução da bola sempre colada ao pé, levou horas para acertar um lançamento. Era a perfeição do gramado que lhe escamoteava a magia. Habituado a driblar os buracos, não sabia como deitar em lençóis de seda.
Divago, não por saudosismo, vício de velho, que também cultivo, mas porque me tomaram o sagrado futebol de domingo. Por incúria, que se arrasta há séculos; por desmazelo, que parece ser um traço inapagável da alma brasileira, o fato é que não teremos hoje Corinthians e Santos, um clássico revestido de extrema expectativa. Bolam-se lances de marketing, os clubes investem em contratações milionárias, as tevês, os jornais, as rádios se preparam para o grande dia. E, na hora H, a casa cai. Literalmente.

Texto Anterior: Crise de estádios embaralha Paulista
Próximo Texto: Djalminha reestréia no 'novo Guarani'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.