São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Tucano participa de concorrência dos EUA

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um programa conjunto da Marinha e da Força Aérea norte-americanas para aquisição de 712 aviões de treinamento está provocando uma situação inédita: a escolha final envolverá tanto a política interna como a externa dos EUA.
O contrato valerá algo entre US$ 5 e US$ 6 bilhões. No final de dezembro os principais concorrentes terminaram de enviar os últimos esclarecimentos, as última minuciosas correções de detalhes técnicos pedidos pelo Pentágono sobre suas propostas.
Cada empresa teve de mandar algo como 10.000 páginas de documentos explicitando não só as características técnicas do avião, mas também todos os detalhes pertinentes sobre suas empresas e o processo de fabricação.
A quantidade de variáveis técnicas e políticas torna difícil prever quem vai sair vencedor da concorrência conhecida pela sigla JPATS (Joint Primary Aircraft Training System — Sistema de Avião de Treinamento Primário Conjunto).
As diferentes forças raramente combinam seus requisitos. É como se Força Aérea e Marinha dos EUA se ignorassem mutuamente. O JPATS é uma tentativa de mudar essa filosofia.
O resultado final está previsto para fevereiro próximo. Mas pode ser que atrase, como aconteceu até agora em outras fases do processo de aquisição.

Confiabilidade
Entre os aviões concorrentes —e com boas chances— está um brasileiro, o Super Tucano EMB-312H, produzido pela Embraer, de São José dos Campos, em consórcio com a empresa americana Northrop.
Esse em si já é um dos detalhes inéditos dessa disputa: entre os sete aviões concorrentes, seis são projetos em parceria de empresas americanas com outras do exterior. Apenas uma, a Cessna, concorre com um projeto 100% americano.
O motivo dessa singularidade foi um dos principais requisitos do Departamento de Defesa americano: o avião já devia estar quase pronto, com seus custos de desenvolvimento em grande parte pagos e com uma confiabilidade garantida. Aviões de treinamento, convém lembrar, são feitos para aviadores inexperientes.
Sem ter um produto à altura, as companhias americanas procuraram se associar com quem tivesse. Projetos de países como Brasil, Suíça, Argentina, Itália e Alemanha preencheram a lacuna.
A legislação americana diz que o governo deve comprar mercadoria que seja feita pelo menos 50% no país. Por isso a associação com indústria aeronáutica americana foi necessária aos estrangeiros.
Quase todos passaram nos testes técnicos, isto é, uma bateria de provas que visava demonstrar se os aviões estão aptos a cumprir as missões requeridas pelos dois exigentes clientes, ambos com intenções bem definidas.
O objetivo básico do avião é o mesmo: servir de treinamento primário a pilotos. Mas o programa JPATS deverá substituir aviões diferentes. Nos EUA, a Marinha usa um turboélice e a Força Aérea usa um jato para o treinamento primário. Essa lealdade a um tipo de avião poderá afetar o juízo de qual modelo é o mais indicado.
Juntam-se a esse critério algo subjetivo as variáveis políticas. Escolher uma empresa americana significa optar pela produção em um determinado Estado, levando empregos e dinheiro para lá.
Por exemplo, escolher o Tucano seria bom para o parceiro americano, a Northrop, que precisa de contratos depois que, pós-guerra fria, o caríssimo bombardeiro "stealth" ("furtivo", semi-invisível ao radar) B-2 teve seu programa drasticamente diminuído.
Escolher empresa de outro país significa dar um passo positivo no relacionamento com ele.
Nesse ponto, o Brasil e o Super Tucano até levam vantagem — não necessariamente porque o novo presidente pertence a um partido que tem a ave como símbolo.
O Brasil optou pelos EUA para fornecer os radares e outros equipamentos eletrônicos do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). O Senado aprovou no último dia 20 os empréstimos externos para pagá-lo.
Escolher um avião brasileiro seria uma recíproca diplomaticamente simpática no momento em que o novo governo começa.
Tecnicamente, apenas um avião até agora não satisfez aos americanos e está fora da disputa, o Pampa 2000, jato de projeto argentino feito em parceria com a Vought/LTV americana.

Desempenho
Os outros quatro têm chances. São dois turboélices e quatro jatos. A distinção entre turboélice e jato não é tão importante como o desempenho. Jatos são até mais caros de operar, diz Satoshi Yokota, diretor-adjunto de programas da Embraer.
O jato da Cessna, uma versão do civil Citation Jet, pode ser o único todo americano, mas também é o de desenvolvimento mais recente e menos comprovado.
O Fan Ranger da Rockwell e da alemã Deutsche Aerospace também é novo, tendo até tido problemas com um acidente em 1993, mas seu desempenho potencial está dentro do pedido.
O S211A da Grumman e da italiana Agusta é outro jato com boas chances. Os italianos contam com muita experiência em jatos de treinamento.
Ainda outro concorrente é uma nova versão do jato MB339, um avião desenvolvido pela Aermacchi como sucessor de outro avião de sucesso, o MB336, produzido no Brasil como Xavante.
Por isso mesmo ele pode não ser escolhido: seria bom, e portanto, caro demais para a tarefa. O parceiro da Aermacchi é a Lockheed, um dos gigantes da indústria aeroespacial.
O outro concorrente turboélice é o suíço Pilatus PC-9, o mais sério rival do Tucano em sua categoria no mercado internacional.
Nesse ponto, o Tucano tem bons trunfos: foi adotado por duas das principais (e também exigentes) Forças Aéreas do planeta, a britânica e a francesa. Existem mais de 570 Tucanos voando, contra 135 PC-9.
O Tucano da RAF (Real Força Aérea) foi muito alterado em relação ao modelo original. Modificações como essas, também pedidas pelos americanos, e o fato de ser construído em parceria com a empresa britânica Shorts, deram uma experiência valiosa à Embraer. 1995 poderá ser um bom ano para os Tucanos.

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