São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Governo mexicano deve passar à ofensiva

JORGE CASTAÑEDA

Na semana passada, finalmente, o governo dos Estados Unidos resolveu resgatar o cambaleante peso mexicano e a precária estabilidade política do país.
Através de sua intervenção nos mercados em defesa da divisa asteca, o Federal Reserve (ou Banco Central) dos EUA fez no último dia 9 o que deveria haver feito desde dezembro. E através de sua declaração de 11 de janeiro, Bill Clinton colocou toda a força de sua administração a serviço da resistência contra os especuladores.
Com isso a tranquilidade voltou aos mercados, pelo menos por alguns dias. Antes tarde do que nunca —mas o auxílio norte-americano ainda padece de enormes lacunas e buracos negros conceituais.
Já está na hora de o regime do presidente mexicano, Ernesto Zedillo, tomar a iniciativa para preencher essas lacunas.
A maneira pela qual as autoridades norte-americanas agiram durante os primeiros dias da crise, e a completa falta de imaginação nos pedidos de ajuda formulados pelo México, comprovaram o caráter totalmente tradicional dos apoios oferecidos e pedidos.
Proceder mediante novos empréstimos e pacotes de financiamento equivaleu a não saber o que fazer diante das oportunidades oferecidas pelo Tratado de Livre Comércio, com todo o custo que o México pagou ao subscrevê-lo.

Saúde
Em lugar dos apoios financeiros dos EUA e da comunidade internacional serem concedidos à moda antiga, isto é, mediante empréstimos condicionados e programas de austeridade impostos, o momento era propício para se iniciar uma nova relação monetária com os EUA e o Canadá.
A conjuntura era propícia para se tentar, desde o princípio e de maneira ordenada, o que se começou a fazer de modo improvisado e a conta-gotas desde 9 de janeiro: fazer com que o Federal Reserve assumisse a defesa do peso mediante a compra da divisa nos mercados, de forma análoga ao que fez para apoiar algumas outras moedas (sempre a libra esterlina e o franco francês, o iene e o marco alemão, quando preciso, e em determinadas ocasiões e condições a lira italiana e o dólar canadense).
Em algum momento o país auxiliado precisa recuperar sua divisa, e possivelmente pagar juros, mas esta carga é mais leve e suas consequências menores do que o aumento da dívida em que vamos incorrer pelo pacote atual.
O México, como comentou um ex-alto funcionário americano, certamente não faz parte desse clube, e sua divisa não é moeda de reserva —requisito necessário para ser comprada e vendida nos mercados internacionais.
Mas a saúde da economia mexicana é questão de segurança nacional para os Estados Unidos, e no fim das contas Washington seria obrigado a intervir a fundo para evitar um colapso total do país e de suas instituições. Prova disso é a decisão de Clinton de ampliar a linha de crédito atual de US$ 9 bilhões para US$ 20 bilhões.

Abismo
Essa é a magnitude do abismo em que caímos, e do que vai custar nossa suposta salvação. O Nafta pode ser considerado o passe e o pagamento da inscrição nesse clube exclusivo, não de países do Primeiro Mundo mas daqueles cuja estabilidade monetária é co-responsabilidade virtual dos EUA.
Prova disso é que o Federal Reserve interveio para comprar o equivalente em pesos a mais de US$ 500 milhões, em 9 de janeiro.
É evidente que não é possível firmar um acordo de longo prazo com as autoridades monetárias norte-americanas sem pactuar previamente com elas os detalhes do programa de recuperação.
E, sem dúvida, dividir a responsabilidade de sustentar uma moeda implica em alguma dose de abdicação da soberania monetária.
Mas esta também se dissipou com os anos, tanto no México como em outros países. Se isto tivesse sido feito desde o início, talvez se houvesse evitado o pânico, a incerteza e a sangria de dinheiro.
Mesmo que as diferenças técnicas entre um "swap" com o Federal Reserve, sem limites nem vencimento declarados, e um empréstimo de US$ 9 bilhões concedido pelo governo dos Estados Unidos possam parecer mínimas, o efeito psicológico de um anúncio do Federal Reserve de que iria defender o peso a 4,50 ou 5 por dólar teria obrigado os especuladores a desistirem de seus ataques contra nossa moeda.
Com tempo e paciência se deveria haver exposto às autoridades em Washington a gravidade da situação e a disposição mexicana de negociar, em pacote, o apoio do Federal Reserve, um programa de recuperação não recessivo e sim de crescimento, e a regulamentação dos efeitos migratórios da nova crise mexicana.
Talvez não houvessem entendido de imediato (a administração Clinton estava ocupada com suas próprias preocupações), mas teria sido iniciada uma nova etapa pós-Nafta nas relações México-Estados Unidos.
Para isso, teria sido preciso enfrentar a crise com calma e ao mesmo tempo rapidez, com imaginação e audácia, atributos que não têm sobrado no México ao longos destas intermináveis semanas que se seguiram ao dia 19 de dezembro.

Paridade
A sequência desejável, na realidade, era exatamente a oposta àquela que aconteceu. Uma vez firmado o compromisso do Federal Reserve de defender uma determinada paridade fixa, as taxas de juros deveriam haver sido elevadas a um nível suficiente para que, junto com a declaração do Banco Central dos Estados Unidos de intervenção nos mercados, o anúncio da nova paridade fosse recebido por todos como uma mudança definitiva.
Não haveria nem ampliação da faixa, nem flutuação, nem recuperação ulterior ou debandada cambial: simplesmente uma nova taxa de câmbio, respaldado durante um período indefinido pelo Federal Reserve e no imediato por altas taxas de juros para fixar o dinheiro no México.
Este convênio com os EUA teria permitido iniciar duas negociações adicionais, criando melhores condições para elas, sem, é claro, eliminar a complexidade e delicadeza dos temas.
Em primeiro lugar, o recurso a um mecanismo monetário dessa natureza —semelhante ao que existe entre os países da União Européia e financiado pelo virtual Banco Central daquele conjunto de países, a saber o Bundesbank alemão— mitiga os efeitos de um diferencial inflacionário excessivo entre os dois países.
A chave de uma desvalorização real é que a inflação não dispare, já que nesse caso, além de anular as hipotéticas vantagens competitivas que proporciona, em pouco tempo o país se encontra na mesma situação que antes.
A longo prazo, a inflação no México não pode ser substancialmente superior à dos Estados Unidos. Mas se a nova paridade goza do respaldo do Federal Reserve e se os mercados a reconhecem assim, por algum tempo pelo menos um diferencial inflacionário mais alto não será tão grave.
Essa margem permitiria negociar com os Estados Unidos —e não com o FMI— um programa econômico de recuperação e crescimento, não recessivo, para o México, e é exatamente disso que am-

tiginosa dos salários mexicanos em dólares em decorrência da desvalorização, provocaria uma nova onda

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