São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Boa viagem

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

SÃO PAULO - Muito imaginoso o logotipo do Boeing-737/200 que se acidentou sexta-feira em Cumbica. Todo borrado de preto. É a nova marca da Vasp?
Na verdade, a prática é conhecida mundo afora. As companhias aéreas apagam a marca pintada na fuselagem e no rabo da "aeronave", como eles gostam de chamar avião, aparentemente para evitar que o nome seja associado ao desastre.
É estranho. Deveria ser um direito de quem viaja ver o logotipo da empresa nos aviões acidentados. É, no mínimo, uma informação.
É verdade que os meios de comunicação acabam divulgando o nome da companhia — o que só acentua o insólito da borração.
Mas se tenta ocultar a marca, a maquiagem não consegue disfarçar o fato irredutível que cerca o avião: quando aquele negócio quebra, Deus nos acuda. Sabe-se que o número de acidentes é reduzido em relação à quantidade de vôos. Mas... O risco existe e uma vez lá em cima não há como escapar.
Talvez por isso, mas também por outros motivos, o avião é um meio de transporte extremamente glamourizado pela propaganda. Os interiores são sempre agradáveis, as aeromoças te dão comida na boquinha, as poltronas confortabilíssimas, o travesseiro direitinho. É como se tudo fosse feito para você se sentir no doce aconchego de um útero.
Claro que não é bem assim. Com exceção da primeira e, em alguns casos, da executiva, o desconforto impera. As cadeiras são estreitas, não dá para esticar as pernas, todo mundo tira os sapatos, o apoio de braço é disputado a cotoveladas, comer é um exercício de contorcionismo, cai arroz e copinho para todos os lados, sacode muito, faz barulho, o fone de ouvido frequentemente tem mau-contato, não dá para ver direito televisão e os banheiros estão sempre cheios.
Vai-se em companhia de uma turba ruidosa e muito à vontade, que transforma as aeromoças em fiscais de colégio interno. Enfim, a "aeronave" está cada vez mais parecida com aquilo que os usuários de transportes urbanos costumam chamar de "buzão".

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