São Paulo, sábado, 18 de fevereiro de 1995
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Não vive

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — A repórter Cláudia Trevisan, da Folha, entrou ontem numa favela em São Paulo para tentar responder a pergunta que desagradou ao presidente Fernando Henrique Cardoso —queria saber como se vive com um salário mínimo. Encontrou a seguinte resposta: simplesmente não vive. Classificada por Fernando Henrique como demagógica, a questão gerou um salutar efeito didático.
Muita gente não gostou. Em entrevista ao "Correio Braziliense", o poeta Ferreira Gullar afirmou: "A pergunta foi provocativa e sem sentido. Não teve objetividade. O assunto é sério e grave". Erradíssimo: um dos problemas dos governantes e da elite brasileira é não se sentirem diariamente provocados por esse tipo de pergunta.
E por não se sentirem provocados não têm a sensação de urgência: basta ver como está em frangalhos a área social da administração pública —aí envolvidos União, Estados e municípios.
Veja-se também como a imensa maioria dos empresários não se importa ou desconhece a realidade da saúde ou educação. E depois ainda ficam imaginando que apenas Brasília é a "ilha da fantasia".
O efeito didático da pergunta é o exercício de, digamos, imaginação cívica —ou seja, tentar imaginar como vivem os grupos vulneráveis. Um trabalhador que ganha o "mínimo" ainda tem condições de se virar, arrumando bicos, como constatou a repórter Cláudia Trevisan. Dane-se o aposentado que já não tem mais forças para bater pernas pela rua.

PS — Por falar em urgência, o ministro Adib Jatene disse ontem, em contato com esta coluna, que prepara um plano a ser entregue ao presidente para combater a mortalidade infantil. Segundo ele, é possível, desde que exista vontade política, reduzir o índice de mortalidade pela metade em apenas quatro anos. Se o governo vai colocar em prática esse plano, é dúvida. Se vai colocar e atingir os objetivos, é dúvida ainda maior. Mas se eventualmente conseguir, Fernando Henrique terá realizado a maior conquista social da história brasileira.

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