São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 1995
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Nem estética, nem ética

JOSÉ CARLOS PIEDADE

Estou indignado com o abuso que vem acontecendo no campo dos eventos e patrocínios promocionais, no campo da estética e da ética.
No parque Ibirapuera, por exemplo, milhares de pessoas procuram encontrar tranquilidade para queimar calorias e recarregar baterias. Mas lá estão os eventos que, com a complacência da prefeitura, agridem os usuários com todo o tipo de poluição visual, sonora e do ar.
Na praia, não é diferente. O "loteamento" promocional invade a areia e até o mar, incomodando os que não optaram pela parafernália dos eventos oportunistas de verão. A questão é: será que isso é bom para as marcas patrocinadoras? É claro que existe um público receptivo a todo tipo de agitação.
Mas e o outro público, que se irrita? Não é importante? Muitos não se esquecem das árvores de Natal patrocinadas em São Paulo. Destaque para o do banco Real dentro do Lago do Ibirapuera. Mau gosto maior, impossível. Sabe-se que um consumidor descontente propaga sua opinião com muito mais intensidade do que os satisfeitos.
Não é irritante ver nossos monumentos "embrulhados" por faixas com inscrições "Empresa tal conserva esta área"? Materiais que às vezes até escondem o que deveriam estar conservando. Se isso é conservar! Um bom mau exemplo é Bombril, que se propôs a limpar o Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera. Após a limpeza, o que se vêem agora são placas enormes que denunciam a incoerência. A empresa que limpou o monumento é a mesma que agora o "suja" com placas grosseiras.
E há, ainda, as famigeradas faixas de pano vagabundo, amarradas em postes já repletos de barbantes remanescentes de agressões anteriores. É triste ver a prefeitura e a CET dando mau exemplo.
Com isto, as imobiliárias se sentem à vontade para amontoar placas e faixas nas proximidades de seus empreendimentos. E colocar ainda um batalhão de moças nas esquinas, distribuindo folhetos que vão parar no chão, sujando as ruas, entupindo bueiros. O logradouro público está sendo vendido como se fosse veículo de comunicação. Quem ganha com isso? Com certeza não é a população.
Ao nosso prefeito, tão preocupado com a poluição dentro dos restaurantes, fica uma pergunta: não é hora de regulamentar o uso do espaço das nossas ruas e parques para evitar a poluição promocional? De criar um plano estético para a cidade?
No lado ético, não dá para ficar passivo vendo o zepelim da Pepsi sobrevoar o show dos Rolling Stones, que custou milhões à Coca-Cola, Hollywood e Volkswagen. Essa é a pirataria que alguns "espertos" preferem chamar de "ambush marketing". Não é um expediente novo. Durante as preliminares da Copa do Mundo, a Brahma usou e abusou desse artifício. Será que o consumidor não percebe essa "esperteza"? Pesquisas atestam que os exageros da Brahma foram percebidos e rejeitados pelo público, principalmente o carioca, que ficou ofendido com a colocação do "dedo" sobre o Pão de Açúcar.
Aos produtores dos eventos, fica a esperança de que entendam meu questionamento. E que reconheçam os exageros e fujam das promoções baratas e oportunistas, em benefício da preservação do seu próprio negócio —e em favor da estética e da ética.

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