São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 1995
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Paixão entre mulheres é tema de Highsmith

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa época em que não era nada chique ser lésbica na cosmopolita Nova York, ali por volta de 1950, a iniciante Patricia Highsmith (1921-1995) escreveu uma longa história sobre o amor entre duas mulheres, chamada "O Preço do Sal".
Com o medo, altamente justificável, de ser rotulada de "escritora de livros sobre lésbicas", para não dizer "escritora lésbica", Highsmith decidiu assinar "O Preço do Sal" com o pseudônimo de Claire Morgan.
Lançado em capa dura em 1952, um ano depois o livro saiu na chamada edição em "paperback" e vendeu mais de um milhão de exemplares nos EUA.
Durante anos, a escritora recebeu cartas de leitoras encantadas com a história do amor entre a jovem e inexperiente Therese e a trepidante perua Carol.
Em 1989, finalmente, Highsmith resolveu tornar pública a autoria do livro e o rebatizou com um título bem mais simpático e simples: "Carol".
Num posfácio à edição de 1989, a escritora revelou abertamente a sua inspiração para a história.
Highsmith escreve que no Natal de 1948, pouco depois de escrever —e antes de publicar— seu primeiro romance, "Strangers on a Train", arrumou um emprego temporário como vendedora numa grande loja de Nova York, possivelmente a Bloomingdale's.
A escritora conta que, certo dia, apareceu na loja uma cliente loira, bonita, maravilhosa, que "parecia irradiar luz".
Essa mulher se aproxima da escritora/vendedora e compra uma boneca. Highsmith fica tão transtornada que quase desmaia. "Foi como se tivesse visto uma aparição", escreve no posfácio.
No romance, Therese é uma cenógrafa iniciante que trabalha como vendedora temporária no Natal em uma grande loja de Nova York, a Frankenberg's.
Um belo dia, às vésperas do Natal, Therese quase enlouquece, começa a suar, não sabe o que fazer, ao atender a sensacional Carol, que deseja comprar uma boneca para a filha.
Por conta dessas semelhanças, o leitor é tentado a imaginar que Therese Belivet e Patricia Highsmith podem ser a mesma pessoa.
A partir do primeiro encontro, Therese e Carol vão iniciar uma relação de amizade —e amor reprimido— que dura mais de uma centena de páginas.
O primeiro beijo só vai se dar na página 162 —o que pode cansar as mais apressadinhas— mas a demora é compensada pela sensualidade que transborda nas descrições que Highsmith faz dos encontros entre Therese e Carol.
A timidez da suposta alter-ego de Highsmith e a dificuldade em consumar a sua paixão, são explicadas de forma franca pela escritora no posfácio.
"Minha jovem protagonista pode parecer uma violenta tímida no livro, mas naquele tempo os bares gays eram uma porta escura em algum lugar de Manhattan, era uma época em que as pessoas que queriam ir a um determinado bar desciam do metrô uma estação antes ou uma depois da parada certa para que ninguém suspeitasse de que eram homossexuais."
Primeiro livro da escritora lançado no Brasil após a sua morte, ocorrida em fevereiro, "Carol" vai surpreender, primeiro, aqueles que ainda insistem em caracterizar Highsmith como autora de livros de suspense. Não há nada que se assemelhe a mistério ou crime em "Carol".
Em segundo lugar, "Carol" vai espantar aqueles que se acostumaram a enxergar nos romances de Highsmith retratos ácidos da classe média norte-americana.
Diferentemente, por exemplo, de "Resgate de um Cão", que trata do mesmo universo, intelectuais e artistas ao redor do Village nova-iorquino, em "Carol" Highsmith não demonstra desprezo por seus personagens, mas compreensão e, mesmo, admiração.
É um livro em quase tudo atípico, da temática homossexual ao ritmo lento, da total ausência de mortos ao final feliz.
"O atrativo de 'O Preço do Sal' era que tinha um final feliz para suas duas personagens principais, ou pelo menos elas iriam tentar ter um futuro juntas. Antes deste livro, os homossexuais, homens ou mulheres, nos romances norte-americanos, tinham que pagar por seu desvio cortando os pulsos, afogando-se em piscinas ou virando heterossexuais", escreve.

Livro: "Carol"
Autora: Patricia Highsmith
Tradução: Beth Vieira
Preço: R$ 20,00, 248 págs.

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