São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Novidades da inteligência

JANIO DE FREITAS

As três novidades mais recentes da inteligência governamental parecem, por sua coerência, produzidas pela mesma cabeça. Ou, melhor, pelos mesmos pés. Não o foram, porém, e nisso se verifica a perfeita uniformidade entre os ministros que definem a fisionomia do governo.
Comecemos com a novidade ofertada pela amorosa carnavalesca Dorothéa Werneck: carros velhos passarão a pagar impostos mais altos do que os carros novos. É uma novidade com duas faces. A da inversão de proporcionalidade dos impostos e a apropriação, pela ministra da Indústria, Comércio e Turismo, da competência para deliberar sobre tributação, em lugar do Ministério da Fazenda. Há pouco dizia o presidente Fernando Henrique que o Brasil não é a casa da mãe-Joana. Mas, vê-se, o governo é.
A inversão no valor dos impostos, explica a ministra, tem "o objetivo de renovar a frota de automóveis". E a renovação não está acontecendo, mesmo com o crescimento da produção nacional e com as importações? Ao que se saiba, o governo há pouco aumentou em 50% o imposto de importação de carros por considerar que a procura já estava excessiva e tendia a mais do que dobrar neste ano.
Dorothéa Werneck não se conforma com o Direito Tributário, que tem como um de seus princípios a adequação do valor do imposto ao valor do bem tributado. Mas a inversão idealizada pelo seu vasto saber vai além da agressão ao Direito: é uma agressão social. Qualquer pessoa que não seja Dorothéa Werneck sabe que só tem carro velho quem não dispõe de dinheiro para ter carro novo. É, pois, exatamente aos que menos têm que a alegre ministra quer cobrar mais.
Não sendo felizmente Dorothéa Werneck, qualquer um sabe também que a compra de um carrinho velho é um passo importante, o primeiro ou o segundo, no esforço de ascensão econômica e, portanto, neste país de consumismo tresloucado, de ascensão social. É o que a ministra pretende impedir. Reconheçamos que em perfeita coerência com os propósitos sociais do governo dito social-democrata. Dorothéa tem lá seus motivos, muito concretos, para prestar mais e mais serviços à indústria automobilística - o que faz desde que, em sua primeira passagem pelo governo, negociou preços. Mas um certo recato não lhe faria mal.
Outra novidade é a medida provisória sobre o aumento das mensalidades escolares. Os limites percentuais do aumento são dupla farsa. A própria MP oferece o mecanismo para aumentos além dos limites, além disso, grande número de escolas já ultrapassou tais limites desde dezembro, a pretexto de artifícios como a "reserva de matrícula"para este ano. Desde o lançamento da URV, inaugurando o Plano Real, o tratamento dado pelo governo às mensalidades escolares está além do escandaloso: é o que se deveria chamar de crime contra a educação. Mas a MP vai mais longe nesta senda.
Além de reduzir de 90 para 60 dias o prazo em que o colégio fica autorizado a afastar o aluno em atraso de pagamento, a partir de agora, a punição autorizada inclui a retenção dos documentos do aluno, para impedi-lo de transferir-se. Se o pai, por dificuldade ou desleixo, não pagar o colégio, punido é o filho. E nada menos do que com a proibição de estudar. Nem mesmo se obtiver vaga em escola gratuita. É assim que o governo tem a educação como meta prioritária.
Por fim, o secretário de Administração está eufórico com a criação de novas justificativas, que logo proporá na reforma constitucional, para a demissão de servidores públicos. São elas o excesso de pessoa e o desempenho insuficiente.
Bresser Pereira deve ter esquecido que secretário de governo é servidor público. Exceto pelo terrorismo, que requer menos conceitos administrativos do que freudianos, seu desempenho optou pelo vazio. De idéias, de ação e até de presença. Saído de Brasília antes do Carnaval, espera-se que o secretário dê uma chegadinha por lá amanhã. Ao menos porque ausência injustificável também é motivo de demissão de servidor público. O que não o impedirá de manter abolido o velho dito de que o exemplo vem de cima.

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