São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Paquerar a mulher do outro em dia de visita é um "crime grave"

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Um crime grave no código da prisão é paquerar, em dia de visita íntima, a mulher do preso vizinho.
Na semana passada, 6.050 presos se comprimiam nas 3.500 vagas da Casa de Detenção —desses, cerca de 2.000 estão autorizados a receber mulheres em dia de visita.
Ao cruzar com uma mulher em dia de visita dentro da Detenção a etiqueta interna recomenda que se baixe os olhos ou desvie o olhar.
Há denúncias, negadas pela direção, de que entram prostitutas nessas visitas. "Mesmo para fazer sala (abordar) com uma dessas, você precisa pedir autorização a quem colocou ela para dentro", diz um detento.
Ao chegar num presídio, a primeira coisa a fazer é descobrir se tem conhecidos ou amigos seus presos no mesmo lugar.
"Se um amigo meu chega preso, os amigos que eu tenho aqui dentro também vão ser amigos dele", diz um preso que se identifica como Jonatan, cumprindo 18 meses de pena na Casa de Detenção por tentativa de homicídio.
O maior erro que um preso pode cometer na prisão, na opinião tanto de Jonatan quanto do norte-americano Hogshire, é denunciar (alcagetar) um companheiro para os carcereiros ou administradores.
Segundo Willo Rogério, diretor da Detenção, chegam às suas mãos diariamente pelo menos 50 denúncias anônimas de irregularidades dentro do presídio.
Descoberto, o alcagüete corre risco de vida. Para tentar sobreviver, deve pedir para ser removido da sua cela, usando o recurso da medida preventiva de segurança (ou MPS, na lingua do cárcere).
"O camarada que vacilou tem a obrigação de pedir MPS", diz um preso. Diariamente, dois ou três presos pedem MPS na Detenção.

Vida de cão
Como diz Hogshire, não existe prisão 5 estrelas. Mas há prisões piores do que outras.
Atrás das grades dos distritos policiais, a vida costuma ser mais de cão que em penitenciárias.
No 3º DP, em Campos Elíseos (região central), por exemplo, 107 presos dividiam quatro celas (27 presos por cela) na última sexta-feira. A capacidade do xadrez é de 16 presos (quatro por cela).
Hogshire enfatiza uma recomendação aos recém-chegados a esse inferno: "Jamais se endivide com alguém por qualquer coisa. Nem por um saco de batatas fritas".
A explicação é que um preso endividado se transforma em presa mais fácil nas mãos dos presos experientes que mandam no xadrez.
A tese "O Direito de Fugir", do delegado Carlos Alberto Marchi de Queiroz (edição da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), traz uma "lei da cadeia", em 22 artigos, baseado no depoimento de presos de uma cadeia de Campinas.
Diz o artigo 10: "Se você aceitar a toalha do primeiro que lhe oferecer, certamente será estuprado por ele".

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