São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Função da cor de pele e olhos ainda é discutida

DA DISCOVER

Se existe função para um gene antimalária ou para a enzima que digere o leite, será que há também para a cor da pele, cor dos olhos e cor e forma dos cabelos?
A visão mais difundida é que a cor da pele varia geograficamente para melhorar as chances de sobrevivência. Os habitantes dos climas tropicais ensolarados do mundo supostamente teriam pele geneticamente escura, que é supostamente análoga ao escurecimento temporário da pele dos europeus brancos durante o verão.
A suposta função da pele escura nos climas ensolarados é de proteção contra o câncer de pele. Também se supõe que as variações de cor dos olhos e do cor e forma do cabelo aumentariam as chances de sobrevivência sob condições específicas, embora ninguém jamais tenha proposto uma hipótese plausível para explicar como realmente pudessem fazê-lo.
Infelizmente as evidências favoráveis à seleção natural da cor da pele se dissolvem quando examinadas mais de perto. Entre os povos tropicais, os antropólogos adoram enfatizar as peles escuras dos negros africanos, dos povos da península indiana meridional e dos habitantes de Nova Guiné, e adoram esquecer-se das peles claras dos índios amazônicos e dos asiáticos do sudeste, que vivem nas mesmas latitudes.
Para esquivar-se desses paradoxos, os antropólogos sugerem que os índios amazônicos e os asiáticos do sudeste talvez não tenham vivido onde vivem hoje por tempo suficiente para que suas peles escurecessem. Mas os ancestrais dos suecos, de pele clara, chegaram na Escandinávia ainda mais recentemente, e os tasmanianos aborígines tinham pele negra apesar de seus ancestrais já viverem há pelo menos 10 mil anos na mesma latitude de Vladivostok.
Além disso, quando se leva em conta a cobertura das nuvens, os habitantes da África ocidental equatorial e das montanhas da Nova Guiné não recebem, na realidade, mais radiação ultravioleta ou mais horas de sol por ano do que os suíços.
Em comparação com as doenças infecciosas e outros agentes seletivos, o câncer de pele tem sido totalmente trivial enquanto causa de morte na história humana, mesmo para os colonos brancos que foram viver nos trópicos na era moderna.
Essa objeção é tão óbvia para os crentes na seleção natural da cor da pele que eles já propuseram pelo menos sete outras supostas funções de sobrevivência da cor da pele, sem chegarem a um acordo. Essas outras funções supostas incluem a proteção contra raquitismo, ulcerações produzidas pelo frio, deficiência de ácido fólico, envenenamento por berílio, superaquecimento e resfriamento excessivo. A diversidade dessas teorias contraditórias torna claro como estamos longe de compreender o valor da cor da pele para a sobrevivência.
Preferência sexual
Mas existe uma importância enorme na cor de pele, olhos e cabelos que é evidente a todos nós: a seleção sexual. Antes de podermos chegar a uma intimidade que nos permita avaliar a beleza das atrações físicas escondidas de um parceiro sexual potencial, nossa pele, nossos olhos e nosso cabelo precisam ser aprovados por ele.
Todos nós sabemos como essas características de beleza extremamente visíveis orientam nossa seleção de parceiros sexuais. Mesmo o mais curto anúncio publicado nos classificados pessoais de qualquer jornal menciona a cor da pele de quem anuncia, e a cor da pele de quem ele ou ela procura como parceiro.
A cor da pele também exerce um papel crucial em nossos preconceitos sociais. Se você é um norte-americano negro que precisa criar seus filhos na sociedade branca norte-americana, o raquitismo e o superaquecimento são os problemas menos importantes que talvez fossem resolvidos pela cor de sua pele.
A cor dos olhos e a cor e o formato do cabelo, embora não sejam tão importantes quanto a cor da pele, também desempenham um papel evidente em nossas preferências sexuais e sociais. Basta perguntar-se por que tantos produtos para tingir, alisar ou encrespar os cabelos têm vendas tão grandes. Certamente não é para aumentar nossas chances de sobreviver a ataques de ursos.

Tradução de Clara Allain

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