São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Queda dos salários abala Wall Street

SUZANNA ANDREWS
DA NEW YORK

Fim de tarde de sexta-feira, diante dos escritórios da Goldman, Sachs. As ruas e vielas abaixo de Wall Street estão escuras e quase vazias de carros e pessoas, mas em frente à sede da Goldman uma procissão de radiocarros com os faróis acesos avança lentamente.
A cada minuto alguns executivos saem dos escritórios da Goldman. As mulheres com casacos de pele e sacolas de compras, os homens de sobretudos escuros com sacolas de ginástica sobre os ombros. Um a um eles entram nos carros e se dirigem a lugares na cidade e nos subúrbios. Os carros são pagos, presume-se, pela Goldman, Sachs.
A cultura dos carros de empresa chegou ao auge nos anos 80. Hoje, seu uso não tem a ver com abundância, e sim com ressentimentos.
Basta conversar com os frequentadores da Wall Street e eles te dirão o que fazem com os carros: deixam esperando enquanto tomam drinques.
As empresas que na década passada toleraram o uso abusivo de seus carros agora procuram coibir essa prática. A Lehman Brothers, que em 1993 gastou cerca de US$ 12 milhões com seus carros —incluindo US$ 1,2 milhão desperdiçado em horas de espera— no ano passado tomou a iniciativa original de emitir vales do tamanho de toalhas de jogos americanos de mesa.
A idéia era que esses máxi-vales seriam mais difíceis de guardar na carteira. Embora um porta-voz da companhia afirme que depois da adoção da medida os gastos com carros da empresa foram substancialmente reduzidos, é evidente que as novas restrições só deixaram a brincadeira mais divertida.
Wall Street vive tempos de ira. E não é de se estranhar: graças a uma queda no mercado de bônus que começou em abril passado, 1994 foi o pior ano para o mercado de papéis desde 90, e dos piores anos da história do de bônus.
Mas nada disto dá a dimensão do trauma vivido em 94. Como informou a Institutional Investor no mês passado, na queda dos bônus vivida no ano passado, mais riqueza foi eliminada das folhas de balanço do que em qualquer outro desastre de mercado desde o 'crash' de 1929 —incluindo a queda do mercado de ações em 1987.
A revista calculou as perdas das instituições financeiras pelo mundo afora em US$ 1,5 trilhão.
As empresas que se mantiveram na linha não se deram muito melhor: virtualmente todas as grandes firmas de Wall Street foram abaladas pela deterioração dos bônus.
No final do ano passado, os lucros haviam caído em mais de 75% no ano, chegando a US$ 1,5 bilhão, contra US$ 6,4 bilhões em 1993, segundo o analista Guy Moszkowski, da Sanford C. Bernstein & Co.
Os lucros da Goldman, Sachs caíram em estimados 70%, os da Bear Stearns em 54% e os da Lehman Brothers em 65%. A Salomon Brothers chegou a perder dinheiro —mais de US$ 100 milhões—, depois de lucrar quase US$ 1 bilhão no ano anterior.
Levando em conta que Wall Street obviamente tem um papel crucial na economia local, esses problemas já exerceram um impacto devastador sobre a cidade.
O inesperado rombo adicional de US$ 200 milhões da cidade de Nova York pode ser atribuído em boa parte à queda repentina da receita tributária proveniente da comunidade financeira.
Urgência
Nova York certamente vai sobreviver a esse último golpe. Muito mais urgente, pelo menos para os envolvidos, é o destino de dezenas de milhares de yuppies que ainda percorrem os escritórios e as mesas de operação de Wall Street.
No ano passado as firmas de Wall Street despediram apenas cerca de 4.000 pessoas, mas é provável que ocorram outros milhares de demissões.
É como 'minha mãe mandou pegar este daqui', diz um banqueiro de investimentos. Ninguém sabe quem será o próximo a ser mandado embora.
Quem não foi demitido em 1994 descobriu que seu bônus de final de ano —que muitas vezes constitui o grosso dos salários em Wall Street— sofreu redução enorme.
O pagamento anual do executivo médio, incluindo salários mensais e bônus, caiu entre 25% e 40% em 1994.
Como deixam claro as entrevistas feitas com 36 operadores e executivos de investimentos, as demissões e os cortes nos pagamentos criaram muitos ressentimentos.
O que estamos vivendo hoje é muito mais traumático do que 1987, sob vários aspectos, diz Gary Goldstein, da The Whitney Group, firma de contratação de executivos.
Em 1987 o grande impacto foi sobre as empresas. Desta vez os mais duramente atingidos são os funcionários individuais. As pessoas têm menos alternativas do que tinham na época. Ninguém sabe o que lhe vai acontecer, e a incerteza está mexendo com as pessoas.
O uso abusivo dos radiocarros é uma maneira pela qual as pessoas manifestam suas reações negativas. Mas o ressentimento também se manifesta de outros modos.
Uma mulher que recentemente fez a empresa pagar seu tailleur Chanel explicou, irada: Depois de tudo que me fizeram passar, estão me devendo esta.
Aposta errada
Imaginava-se que 1994 seria mais um ano próspero. Em 1993, Wall Street teve lucros recordes e concedeu bônus salariais em escala condizente.
Mas no final da primavera passada ficou claro que uma economia saudável levaria a altas nas taxas de juros.
Essas altas, por sua vez, começaram a prejudicar as enormes apostas que Wall Street havia feito no mercado de bônus.
A maioria das empresas havia contraído enormes empréstimos a curto prazo para comprar papéis de longo prazo.
Quando o Federal Reserve (Fed, o banco central) começou a elevar as taxas de juros, o custo da manutenção de grandes inventários de bônus comprados com dinheiro emprestado subiu, o valor desses bônus caiu e as perdas começaram a se acumular.
Por toda Wall Street as pessoas expressam seu choque no tom estranhamente ingênuo que só quem trabalha em Wall Street parece ser capaz de usar.
Um executivo que recentemente informou vários operadores sobre reduções semelhantes comentou: É estranho comunicar a uma pessoa que ela vai receber um bônus de US$ 500 mil em vez dos US$ 700 mil do ano passado, e ver olhos marejados de lágrimas.
Não se trata de birra, apenas. Como uma parte tão grande do pagamento hoje chega apenas no final do ano, um executivo não tem meios de saber quanto vai ganhar, em termos absolutos.
Hoje os salários-base —que variam entre US$ 35 mil e US$ 200 mil— são vistos como dinheiro para lanches, e a maioria dos banqueiros estima seus ganhos totais fazendo uma extrapolação a partir do bônus do ano anterior.
A crise também teve um impacto psicológico profundo sobre os executivos e suas famílias.
A julgar pelo que contam alguns operadores de 30 anos, trabalhar em Wall Street envolve um contrato que não verbalizado: trabalhe como cão e ganhe como um deus.
A crise atual deixou claro o fato de que Wall Street seduziu uma geração das melhores cabeças dos Estados Unidos com dinheiro e praticamente mais nada.
É bem possível que as dificuldades de Wall Street perdurem por boa parte do ano, mas os negócios devem se recuperar.
Alguns dos danos serão permanentes. Para muita gente o chavão sobre gostar de trabalhar em Wall Street deixou de fazer sentido.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Agricultor prefere ser vigia em Pequim ao campo
Próximo Texto: Computador muda perfil do operador
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.