São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jornalista da Bretanha aguarda julgamento

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

A jornalista Annick Lagadec, 44, conhece a realidade de duas minorias: é de família bretã e viveu com um basco.
Ela foi presa em 1992 com seu companheiro, um basco que escondia armas em um apartamento em Paris.
Dezenas de bretões foram presos naquele ano porque deram guarida a militantes separatistas bascos espanhóis.
Lagadec afirma que a repressão foi parte de um acordo entre os governos socialistas dos dois países, que incluiu a extensão do serviço do trem-bala francês à Espanha.
Fomos trocados pelo TGV, acredita Lagadec.
Hoje ela aguarda em liberdade o julgamento por formação de quadrilha, ajuda a imigrante clandestino e estocagem de armas e explosivos, acusações que refuta.

Folha - Qual é a ligação entre o movimento basco e o bretão?
Annick Lagadec - Não há. O que houve é que muitos bascos da Espanha se refugiaram na França. Com os assassinatos do GAL (Grupo Armado de Libertação, um esquadrão da morte antiterrorista espanhol) e a perseguição da polícia francesa, eles fugiram.
Alguns foram à Bretanha, porque há muitos laços culturais, desde os anos 60, como intercâmbios em escolas bilíngues.
Folha - Qual é sua defesa?
Lagadec - Meu caso é particular: eu vivia com um basco. Aos poucos, descobri que era ele quem encontrava casas para os refugiados. Isso nunca me pareceu grave. Agora, se ele pertencia à ETA e participou de atentados, não era problema meu, era dele.
Folha - A sra. fala bretão?
Lagadec - Não, porque meu pai foi expulso da Bretanha durante a Segunda Guerra —colegas dele haviam cometido um atentado contra os alemães.
Ele foi trabalhar em Paris e ficou na França.
Folha - Quando diz ficou na França, a sra. quer dizer que a Bretanha não é a França?
Lagadec - Exato. Eu, pelo menos, não me sinto francesa. Tenho um passaporte francês, mas isso não significa nada para mim.
Folha - A sra. é vigiada?
Lagadec - Agora não. Já fui seguida e fotografada. Mas, quando há reuniões em que falamos do problema, é evidente que há um policial na sala.
Antes de falar com você, verificamos sua identidade na Embaixada do Brasil.
Folha - Há semelhanças com os nacionalismos do Leste?
Lagadec - O que os patriotas bretões ou bascos pensam é que cada um tem sua pátria e ninguém pode tirá-la. Mas isso não impede de acolher os outros ou visitá-los.
Na ex-Iugoslávia, os povos foram reprimidos por um sistema policial violento. Na França não passamos por isso. Na Europa Ocidental, a liberação das minorias não virá pela violência.
Folha - A imprensa leva a sério os nacionalistas bretões?
Lagadec - Riem de nós. Ou dizem que somos terroristas terríveis, aliados aos bascos.
Os franceses são tão orgulhosos que não conseguem compreender que o mundo inteiro não queira ser francês.

Texto Anterior: França despreza suas 'minorias étnicas'
Próximo Texto: Burocracia da UE cria babel em Bruxelas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.